Aline Accioly Sieiro - Psicanalista

Categoria: Tecnologia (Page 1 of 4)

De quem são as histórias que a gente conta?

Tenho pensado demais sobre a escrita e sobre as histórias que a gente conta. Desde pequena aprendi que esse negócio de narrar histórias é importante. Ainda muito nova, acompanhava minha mãe na época de mestrado: ela ia estudar numa sala em que as pessoas contavam suas histórias e sempre saiam chorando. Eu achava aquilo curioso, não entendia como as pessoas achavam bom ir para uma sala, toda semana, contar suas histórias e sempre sair chorando. Minha mãe é pesquisadora e trabalha com pesquisa narrativa. Ainda acho perigoso o trabalho que ela faz (haha #interna), mas hoje entendo bem mais a linha de pesquisa e os objetivos que envolvem esse tipo de pesquisa.

Algum tempo depois, fui secretária de uma psicóloga. Me lembro da sensação que era observar, o dia todo, a entrada e a saída de todo tipo de gente com cara de choro. Ficava fascinada, tentando imaginar o que acontecia lá dentro e que histórias aquelas pessoas contavam. Quando a psicóloga não estava lá, eu entrava na sala vazia e ficava fantasiando sobre aquele monte de gente e suas vidas. Por que raios as pessoas iam lá toda semana e saiam com cara de choro? O que leva alguém a contar sua história e por que isso é importante?

Dos caminhos que me fizeram chegar na psicanálise, esses foram alguns momentos importantes do processo. Hoje sou eu que escuto, vivo e escrevo algumas dessas histórias, para fazer a transmissão da psicanálise via caso clínico. E me pergunto: como contar as histórias que vivo com os analisandos, alunos, supervisionandos, para fazer transmissão do ofício do psicanalista, da importância de tentar nomear algo sobre o irrepresentável da vida e da particularidade de cada um?

Todo psicanalista tem como parte do seu trabalho a escrita de caso clínico, bem como a apresentação de trechos clínicos em eventos. Mas a escrita de um caso clínico, ainda que seja já uma outra versão do que foi vivido entre analista e analisando, é “baseada em fatos reais” (se é que posso brincar com essa frase tanto utilizada nas ficções). Há algo de particular e íntimo sobre a maneira como cada um vive e sente suas angústias que será sempre compartilhado e reconhecível pelo sujeito envolvido. Afinal, não é justamente disso que se trata uma análise? Da maneira particular como cada sujeito põe em movimento sua angústia frente a impossibilidade? Antes da internet, essa questão era facilmente deixada de lado, já que era muito mais simples fazer isso sem se preocupar muito com os efeitos dessa narrativa na vida dos pacientes. Quando contamos um caso clínico, ainda que ela seja uma versão do analista sobre o que ocorreu em análise, ainda se trata do analisando, de sua história e de como ela foi construída com o analista. Freud, mesmo protegendo a identidade de seus pacientes, não conseguiu evitar que soubéssemos que eram. Alguns se revelaram por conta própria, outros eram amplamente discutidos nos meios psicanalíticos e acabaram chegando na boca do povo. Há relatos, por exemplo, sobre a perturbação que foi para o homem dos lobos a publicação de seu caso por Freud; em dado momento chegou a dizer publicamente que só foi usado pela psicanálise e que nunca foi cuidado, crítica que ganhou força a partir da publicação posterior de discordâncias de alguns psicanalistas frente ao diagnóstico freudiano do caso. Controvérsias a parte, há uma questão ética, em diversos níveis, que se apresenta quando contamos uma história. Especialmente quando se trata de um caso clínico de uma análise em andamento.

Em algumas ciências vizinhas, essa preocupação perde o lugar frente a necessidade de ensinar e fazer a ciência evoluir. Pelo bem da ciência, passamos por cima das pessoas. Nossos colegas da medicina, por exemplo, não encontram outras maneiras de realizar seu ensino. Já no passado eram conhecidos pelas famosas cenas de apresentação de caso, aquelas cenas clássicas em que o paciente é exposto em um auditório lotado de estudantes que aprendem. Hoje a cena mudou um pouco sua configuração, mas basta uma visita aos hospitais de residência médica para encontrar por lá a mesma realidade. Em psicanálise a gente não apresenta o paciente dessa maneira tão concreta, mas quando apresentamos os casos clínicos, fazemos uma versão dessa mesma lógica da apresentação dos pacientes. O que nos diferencia? Há diferença? Há.

A escrita de caso clínico, em psicanálise, é permeada por uma ética particular. Esse item merece um texto próprio, que não pretendo responder agora. Passo por esse tema apenas para chegar na atualidade, no mundo em que o google não esquece e tudo encontra. Se no passado a questão já existia, hoje ela é potencializada pela internet. Como escrever e apresentar um caso clínico que pode ser importantíssimo para a transmissão da psicanálise, por exemplo, num caso de paranóia, em que a simples menção a possibilidade de escrita, para o analisando, pode desencadear o próprio processo paranoico? Apostamos no trabalho de escrita como parte do trabalho, ainda que isso possa afetar diretamente a direção de tratamento? Questões, muitas questões que o tempo contemporâneo nos faz repensar sobre a transmissão da psicanálise e na escrita de caso clínico.

Ainda que sejam questões difíceis e impossíveis de universalizar, os psicanalistas seguem escrevendo casos clínicos. Contardo Calligaris, por exemplo, não só escreve sobre seus pacientes, como fez até uma série sobre isso. Ainda que ele misture casos e não fale especificamente de nenhum deles, ele fala de todos eles. Uma amiga psicanalista diz que ele faz sucesso roubando as histórias dos analisandos. Não concordo, mas também não discordo. A quem pertencem as histórias que são vividas por mais de uma pessoa? Como contar da experiência de ser analista e qual o limite do que se conta quando o ser do psicanalista envolve as histórias de seus analisandos?

Outro dia meu filho mais velho “me autorizou” a escrever minha história sobre a maternidade dele. Foi uma história traumática que eu quase nunca conto porque sei que ela envolve nós dois de uma maneira cheia de dor. Ele me disse que eu deveria contar, que eu poderia ajudar as pessoas contando sobre as dores que passamos, pela minha perspectiva. Ele está com 17 anos e passando pela escrita, tentando construir ele mesmo suas histórias e narrativas. Agradeci a autorização que ele me deu, mas minha escrita não passa por esse lugar. Não é da posição de protagonista de uma história que a escrita me interessa. Nesse sentido, entendo que a escrita de um caso clínico, do lugar de analista, não é sobre o que o psicanalista sabe, vive ou sofre. A escrita de um caso clínico e o que se transmite tem a ver com um não saber que é posto a trabalho pelo analisando. Trabalho feito a dois, mas em que o analista é apenas semblante de objeto a, causa de desejo. Assim, como escrever sobre o traumático da vida do analisando para que isso ganhe outras possibilidades de amarração na análise e também na escrita do que foi vivido em análise?

A primeira vez que fui fazer uma pesquisa, ainda na faculdade, eu queria reencontrar ex-pacientes da clínica escola para descobrir os efeitos do processo terapêutico vivido no tempo que eles usaram o serviço. O conselho de ética me proibiu, dizendo que não poderia correr o risco de reviver nos pacientes algo de traumático deles. Mas se um processo terapêutico é justamente o encontro com o real e a possibilidade de borda (e não uma eterna evitação do real), aquela resposta não fazia muito lógica pra mim, já naquele tempo. Eis que hoje me vejo tendo esse mesmo cuidado, não para evitar o encontro com o real, mas para ter responsabilidade frente a maneira como cada um lida com suas questões. Recentemente, fui participar de um evento de psicanálise em que contar alguns casos clínicos faria grande diferença na discussão do tema. A plateia era feita de estudantes de psicologia, em sua maioria, e poder falar com eles sobre teoria a partir da prática é algo que eu acredito e que faz parte do meu estilo na transmissão que faço da psicanálise. Mas cada vez mais me pergunto sobre como falar de pontos importantes de casos clínicos, publicamente, quando esses pacientes (ainda em tratamento) terão acesso. Terão acesso ou por estar na plateia (porque atendo muitos estudantes de psicanálise), ou por esse material chegar na internet. Ainda que tenham autorizado, os efeitos dessa história recontada por mim, na escrita do caso clínico pode afetar diretamente o tratamento e a vida desse paciente, no hoje, no presente.

Questões ainda sem resposta, que vou trabalhando no particular, com cada paciente, quando isso vem a ser uma questão na análise. Cada vez mais entendo que a minha transmissão tem como marca a escrita da experiência, do vivido, do que se faz a dois (e a muitos) quando se fecha a porta de um consultório. Por um tempo achei que isso era muito expositivo, não só para os pacientes tomados como caso clínico, mas também para mim na minha função de analista. Mas, como disse acima, há algo que é necessário se transmitir, sobre uma experiência de análise. E essa escrita leva a marca do analisando, mas leva minhas marcas também. A escrita tem algo mesmo de um traço, do resto e de um efeito do encontro entre sujeito e Outro: algo sempre se perde e fica apagado, mas é impossível remover as marcas particulares de quem fala e de quem escuta. Hoje sei que cada teoria responde a essa questão a sua maneira, inclusive na psicanálise. Mas, mais uma vez, estou procurando a minha maneira de responder a todas essas questões importantes que surgem quando estamos misturados com o ofício e a transmissão da psicanálise. Sobre como cada paciente faz a escrita de sua existência na vida quando não há palavras para descreve-la. Sobre como eu faço testemunho e transmissão desse percurso tão particular. Uma amiga me disse que a gente só escreve em torno do inacessível, de um negativo. É isso. “Não há como entrar na teoria sem passar (e sofrer) os efeitos de um estilo. A inclusão do efeito transferencial no próprio ato de transmissão da psicanálise é o motor do que a impede de ser cristalizada na lógica do discurso universitário” (Leite, N.). Então, vou encarar a passagem pelo escrito. No meu estilo. Me acompanham?

Primeira Reunião Aberta do GECLIPS – Expressão artística e o universo da imaginação na infância

Convidados:

Prof. Paulo Lima Buenoz

Profa. Silvia Maria Cintra Silva

Prof. João Luiz Leitão Paravidini (GECLIPS)

 

www.facebook.com/geclipspsicanalise

 

Considerações sobre Internet e Alienação Pt3

*Leia primeiro – Parte 01 e Parte 02

2. Constituição do sujeito: alienação e separação


Quando apontamos o caráter narcísico do sujeito que utiliza a Internet, falamos do narcisismo como um momento necessário na evolução da libido, antes que o sujeito se volte para um objeto externo. Essa tempo é responsável pela formação do “eu” (Freud,1914). Pensando o narcisismo como parte do processo de constituição do sujeito, vamos abordar os conceitos lacanianos de alienação e separação. A inclusão do conceito de alienação na teoria psicanalítica, que aconteceu a partir das teorizações de Lacan, tem importantes conseqüências teóricas e clínicas. Mas de que alienação tratamos?

Segundo Lima (2006), o termo é uma tradução habitual do alemão entfremdung, característico da filosofia de Hegel e Marx. Hegel o empregava para indicar o ato de estar alheio à consciência. Este “estar alheio” é uma fase do processo que vai da consciência à autoconsciência. Marx utiliza o conceito de alienação retomando a temática hegeliana da função do trabalho na passagem “do senhor e do escravo”. Para Hegel, o trabalho representa a expressão da liberdade reconquistada. Se o ser do senhor se descobre como dependente do ser do escravo, em compensação, o escravo, aprendendo a vencer a natureza, recupera de certa forma a liberdade. Marx critica a visão otimista do trabalho em Hegel e demonstra como o objeto produzido pelo trabalho surge como um ser estranho ao produtor, não mais lhe pertencendo: trata-se do fenômeno da alienação. Marx observa que a visão idealista de Hegel não considera a materialidade do trabalho, privilegiando a consciência. Para Marx, a propriedade privada produz a alienação do operário, seja porque ela cinde a relação do operário com o produto do seu trabalho (que pertence ao capitalista), seja porque o trabalho permanece exterior ao operário. Quando Lacan iniciou os trabalhos de releitura da obra freudiana, sua leitura era  perpassada pelo hegelianismo, principalmente nos primeiros Seminários. Mas o conceito lacaniano de alienação não é de um acidente ao qual o sujeito sobrevive ou que pode ser transposto, mas sim uma marca constitutiva essencial. O sujeito só se funda a partir de uma alienação fundamental, está alienado de si mesmo, não tem maneira de fugir dessa divisão. Lacan (1964) utiliza os termos alienação e separação referindo-se às operações lógicas de constituição do sujeito. Diante do desamparo originário, o bebê é completamente submetido a um outro, que será responsável não só pela satisfação de suas necessidades básicas como também pela sua constituição subjetiva. Essa dependência inicial que liga o sujeito ao outro constitui a alienação.

Segundo a formulação de Lacan (1960), a alienação é própria do sujeito; ele nasce por ação da linguagem:

 

“O lugar de Outro, que a mãe ocupa neste momento, oferece significantes, através da fala; o sujeito se submete a um dentre os vários significantes que lhe são oferecidos pela mãe. O seu ser não pode ser totalmente coberto pelo sentido dado pelo Outro: há sempre uma perda. Joga-se aí uma espécie de luta de vida e morte entre o ser e o sentido: se o sujeito escolhe o ser, perde o sentido, e se escolhe o sentido, perde o ser, e se produz a afânise, o desaparecimento do sujeito” (Bruder & Brauer, 2007).

 

Segundo Lacan (1964), a alienação reside na divisão do sujeito de sua causa. O Outro é o lugar de sua causa significante, razão pela qual nenhum sujeito pode ser causa de si mesmo. Quando bebês, somos totalmente dependentes de um outro para sobreviver. Chamamos isso de desamparo original. E é neste momento em que acontece o encontro com o Outro, encontro que produzirá as primeiras experiências de satisfação. É nesse momento também que o bebê deve se alienar a esse Outro para que possa se constituir. Mas, ao se submeter a essa alienação, perde algo de si, algo que fica perdido para sempre. Mas se não se permite a alienação, também perde a possibilidade de entrar no campo da linguagem.

Ao se alienar ao desejo do Outro, o bebê fica sujeito aos desejos e anseios destes que ocupam o lugar do Outro. A mãe e o pai enxergam no bebe aquilo que ele ainda não é, mas pode vir a ser. Essa possibilidade de construção que a mãe enxerga em seu bebê é o que pode dar a possibilidade de um futuro advento de um sujeito.

Já a separação, outro tempo fundamental neste processo, implica no fato de que todo esse processo de alienação deixa um resto, uma vez que o sujeito busca no Outro aquilo que lhe falta, aquilo que ele abdicou e perdeu para se tornar sujeito. É como se o Outro pudesse sempre complementar aquilo que falta ao sujeito. A separação só pode acontecer quando o sujeito percebe que o Outro também é faltante. O surgimento da falta no Outro remete o sujeito à própria falta, ou seja, à constatação da sua impossibilidade de completar o Outro. A operação de separação é marcada pelo confronto com a falta no Outro, e, posteriormente, quando o sujeito tenta construir, no fantasma, uma resposta à falta do Outro: “O que o Outro quer de mim?”. (Lacan, 1964)

 

Na separação, o sujeito irrompe na cadeia significante, e se destaca o objeto a. Essa operação de separação permite que o sujeito encontre um espaço entre os significantes onde irá se constituir seu desejo, no que seu desejo é desconhecido; o sujeito retorna então ao ponto inicial, que é o de sua falta como tal. Isso indica que alienação e separação não são “fases” estáticas, e mostra a oscilação permanente que se verifica no sujeito entre alienação e separação, como uma alternância sempre renovada.” (Bruder & Brauer, 2007).

 

Refletindo sobre o tema

 

Vivemos na chamada “Era da Internet”, um tempo em que tudo é possível (essa é a mensagem repassada todos os dias nas propagandas, nas revistas, nos programas de TV). Entre os usuários da rede, é comum escutarmos a seguinte brincadeira: Se não está no Google, não existe. Nessa linha de pensamento, para existir na atualidade é preciso estar presente na Internet, ou melhor, é preciso ser visto. As explosões de Redes Sociais podem ser indícios dessa necessidade de marcar presença. Mas precisamos escutar o que esses fenômenos querem nos dizer para além do preconceito que Lévy nos aponta.

Ainda sim, lembrando o processo de constituição subjetiva, é importante destacar que este processo implica um movimento do sujeito para fora de sua redoma narcísica ilusoriamente auto-suficiente em direção aos objetos do mundo, movimento esse provocado pela experiência de insuficiência de seus recursos imaginários. Ou seja, o sujeito deve romper com a posição de submetimento ao Outro. O processo de socialização é resultado dessa negociação do sujeito com a cultura. Se o sujeito é constituído pelo processo de alienação e separação, a separação significa o seu movimento em direção à realidade, ao social, em detrimento da satisfação alucinatória, onipotente, imaginária.

O que tem acontecido e tem sido muito exaltado pelos psicanalistas que escrevem sobre a Internet e seus efeitos nos sujeitos, é dimensão alienante e imaginária que a Internet intensifica, mostrando seus efeitos, por exemplo, no gozo da imagem, no amor a si mesmo, nas posições subjetivas de fazer-se, com seu narcisismo, de objeto de desejo do Outro, dando a impressão de não ter falta. No momento em que o sujeito deveria se movimentar em direção a realidade, ao social, ele se dirige para a Internet, e lá ele continua numa posição alienante, pois a Internet parece preencher o lugar do Outro completo, tamponando a falta e deixando o sujeito ainda em permanente alienação a esse Outro. A partir dessa relação, não consegue prosseguir no tempo da separação e portanto fica preso em seu tempo, não se constituindo um sujeito, não se apropriando e se responsabilizando de seu desejo.

Podemos perceber essa problemática na forma com as pessoas passam dias imersos Online, fascinados pelas possibilidades de laço social que ela permite, mas sem conseguir de fato construir esses laços. Essas pessoas estão conectadas a muitas outras pessoas, mas sofrem cada vez mais de sensação de isolamento, abandono e desamparo.

Minha proposta não é apenas de apontar essa problemática já tão bem articulada por alguns psicanalistas. Retomo Levy (1999) para dizer que é impossível regredir a uma realidade em que a Internet não se faz presente. Portanto é importante pensar que a experiência dos sujeitos com a Internet nem sempre é essa que apontamos. Estamos em um momento crucial de aceitação de uma realidade para a tentativa de subversão da posição subjetiva a que as pessoas tem se colocado, admiradas, enfeitiçadas pela forma como a Internet parece prometer muitas possibilidades. Existe um movimento de algumas pessoas na utilização da internet, com um objeto que pode trabalhar a favor de uma responsabilização subjetiva. Vimos a explosão dos Blogs, por exemplo, em uma tentativa de simbolização usada não apenas por jovens, mas também por Jornalistas, Políticos e muitos outros. Assim, me parece pertinente prosseguir em uma investigação que possa nos apresentar dados de experiências diversas na Internet, de pessoas que se colocam não apenas como usuárias e consumidoras de todo um esquema social, e sim de uma ferramenta que pode trabalhar a favor da causa do sujeito.

Se hoje a Internet faz parte dos avanços tecnológicos como um meio de comunicação totalmente inserido na organização social, talvez também seja o momento de se apropriar dela como ferramenta, como algo que podemos utilizar para outros fins.  Se a Internet transformou a realidade, novos estudos se fazem necessários para a transformação de um sujeito receptor (usuário, consumidor, alienado) em um sujeito que é produtor de uma comunicação singular, processo que o caracteriza como sujeito, de fato.

 

Considerações sobre Internet e Alienação Pt 2

A primeira parte deste texto está aqui: Parte 01
1. Contemporaneidade e Internet

Freud (1930), em seu artigo O mal estar na civilização, convoca os psicanalistas a se ocuparem do mal estar do homem no mundo civilizado e a se interessarem pela subjetividade contemporânea. Isso porque a psicanálise está interessada na causa da insatisfação e da angústia do sujeito com o mundo dos objetos. Essa insatisfação já havia sido notada por Freud desde então, pois sua experiência clínica o levou a pensar a tensão nas relações entre sujeito e sociedade e nas formações sociais construídas como respostas ao conflito, que acabava por acarretar mais sofrimento do que seu enfrentamento. O que muda hoje é a realidade em que esse sujeito vive. Ao estudar as modalidades do sofrimento psíquico, os sintomas, compreende-se a sociedade da qual os sujeitos fazem parte, ao mesmo tempo em que ao estudar a sociedade e suas formações compreende-se as modalidades de sofrimento psíquico presentes na história de vida dos homens, num determinado tempo histórico.

Para nos situarmos no tempo social em que vivemos atualmente, Santos (1986) nos conta que o pós-moderno nasce com a computação e oferece à sociedade muitas facilidades trazidas pelas tecnologias. Na modernidade se buscava a essência do ser e no pós-moderno as pessoas recebem tudo pronto com o advento da tecnologia. O autor defende que com a tecnologia as pessoas ficaram mais presas em suas individualidades. No plano econômico, o modelo é chamado capitalismo flexível, no qual o homem se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. Santos(1986) ainda afirma que entre os indivíduos e o mundo estão os meios tecnológicos de comunicação, que não informam sobre o mundo e sim o refazem à sua maneira.

Freud (1930) também fala da modernidade segundo a tecnologia, que caminha junto com a sociedade no sentido de frustrar e distanciar cada vez mais os sujeitos do prazer verdadeiro que eles busca, pois proporciona benefícios que os satisfazem de forma barata, ou seja, dão uma sensação de falsa satisfação. E como a angústia é cada vez maior entre sujeito e sociedade, a tecnologia funciona como uma forma de tamponamento do sofrimento, mas nunca o soluciona por definitivo.

Mas será que essa relação entre homem e tecnologia continua a mesma? Se vivemos um período social que nasceu junto com a inserção tecnológica, como vem acontecendo o avanço dessa relação? Para começar a pensar nesta pergunta, Kaplan (1993) escreve:

 

“O desconforto do homem moderno – enquanto estreante na relação com as máquinas em profusão na pós-revolução industrial –, na pós-modernidade já não é mais identificado. O que existe é uma integração. Um homem-máquina, sem visão crítica em relação às novas tecnologias, uma vez que faz parte dela e por isso não possui distanciamento para avaliar seus efeitos. Se na Antigüidade o homem e a esfera pública eram uma coisa só, na pós- modernidade, será a vez da união entre o homem e a tecnologia.”

 

As opiniões são diversas quando o assunto é a relação entre homem e tecnologia. Lipovestky (1989) escreve:

 

“Não que a sofisticação das tecnologias não tenha auxiliado na constituição da pós-modernidade. Houve sim uma revolução do sujeito ancorada na avalanche tecnológica, mas a tecnologia não enterrou o indivíduo, apenas o tornou mais forte, um verdadeiro Narciso. O que ocorre na pós-modernidade é uma supremacia do sujeito, muito mais do que na modernidade, um aprimoramento do indivíduo que começou a se desenhar enquanto ser absoluto durante o período anterior.”

 

Homem-máquina ou Narcisos, essas pessoas se apropriaram rapidamente da Internet, que surgiu como personagem principal das possibilidades tecnológicas. Mas ao ler estas opiniões, sinto uma toque de nostalgia por parte dos autores, como se fosse  possível pensar no mundo contemporâneo sem Internet. Em relação a esta postura, Lévy (1999), discute a inserção social na internet assumindo que ela é parte do contemporâneo e não pode ser retrocedida.

Se a internet se faz presente como condição da contemporaneidade, Lévy (1999) é contudente quando diz que existe um preconceito infundado com relação à Internet, uma avaliação negativa que não leva a nada, já que as novas tecnologias da comunicação estão bem afirmadas e nada pode deter sua ação no campo antropológico. Para Lévy (1999), a Internet é mais do que uma realidade, ela é parte fundamental da nova sociedade, estando muito além da discussão sobre a validade ou não da comunicação à distância e a necessidade de preservar as diferenças. Ele complementa:

Incansavelmente, é preciso lembrar a frivolidade do esquema da substituição. Da mesma forma que a comunicação por telefone não impediu que as pessoas se encontrassem fisicamente, já que o telefone é usado para marcar encontros, a comunicação por correio eletrônico muitas vezes prepara viagens físicas, colóquios ou reuniões de negócios. Mesmo quando não é acompanhada de encontros, a interação no ciberespaço continua sendo uma forma de comunicação. Mas, ouvimos algumas vezes dizer que algumas pessoas permanecem horas “diante de suas telas!”, isolando-se assim dos outros. Os excessos certamente não devem ser encorajados. Mas dizemos que alguém que lê “permanece horas diante do papel?” Não. Porque a pessoa que lê não está se relacionando com uma folha de celulose, ela está em contato com um discurso, uma voz, um universo de significados que ela contribui para construir, para habitar com sua leitura”  (Levy, 1999, p. 162).

 

Em um primeiro momento, essa afirmação de Lévy pode soar utópica. Mas se voltamos a pensar na singularidades das experiências, parece importante pensar que cada pessoa utiliza a internet a sua maneira, e com isso existem diversas possibilidades nesta relação. Inclusive se começarmos a olhar a Internet em termos de funcionalidade, com tudo que ela proporciona (leitura de livros, escrita de textos, central de notícias e etc.), começaremos a abrir um campo de possibilidades. Se muitos psicanalistas defendem que a internet acentua o narcisismo dos sujeitos, não é por isso que devemos nos distanciar e deixar de pensar numa realidade sem ela. Ao contrário, podemos pensar nas possibilidades que podem ser construídas quando não nos deixamos engolir pela pulsão narcísica.

É claro que não se podemos negar a existência de um caráter extremamente narcisista na contemporaneidade. Por isso vamos pensar um pouco sobre esse o processo de constituição subjetiva e no que ele é impactado pela Internet.

Continua….

Parte 3 chega já já.

Considerações sobre Internet e Alienação Pt. 1

Parte 01

Escrever sobre Internet pelo viés da Psicanálise deixa a sensação de pisar em terreno pantanoso. Nomeio como pantanoso esse campo, esse (des)encontro, porque os psicanalistas que escrevem sobre esse tema parecem se posicionar numa escrita cuja perspectiva é negativa, apontando apenas os problemas. Mas me percebo neste lugar em que utilizo muitos recursos da internet e ao mesmo tempo estou imersa no campo da psicanálise clínica e teórica. A partir desse encontro de campos, me sinto instigada a pensar essas questões, pois acredito que não fazê-lo seria como ignorar um dos aspectos pontuais da atualidade. Jovens e crianças, a quem chamamos de “nativos” usuários da internet e da tecnologia vivem uma realidade que já pressupõe esses dois campos em suas vidas.

Muitos textos psicanalíticos falam das impossibilidades na Internet: são artigos diversos que teorizam sobre a alienação que a Internet promove. Nesse sentido, podemos pensar que a internet ocupa o lugar do Outro ao qual o sujeito permanece alienado? Se propomos uma análise sob o enfoque da experiência pessoal, tão singular quanto ela pode ser para cada sujeito, será que a internet é alienante para todos? Incentivada por essas questões, desejo problematizar a relação entre a alienação na  internet para, posteriormente, refletir sobre a possibilidade de um sujeito do desejo utilizador da Internet.

É importante destacar o lugar teórico de onde começo e que dá suporte a toda essa discussão. Parto de um pressuposto psicanalítico calcado na impossibilidade de um saber sobre tudo. Entendo que essa possibilidade de tudo ter e fazer que a nossa sociedade tecnológica vende pretende apenas tamponar uma falta, uma impossibilidade que é inerente a condição humana. Maria Rita Kehl (2003) nos alerta para os impasses no trato com a tecnologia:

 

“A velocidade vertiginosa em que novas tecnologias de mídia eletrônica são lançadas o mercado, cada qual com a pretensão de tornar obsoletas todas as anteriores, faz com que muitos teóricos dessa área considerem também obsoletos os conceitos utilizados para pensar a sociedade contemporânea. Não compartilho da crença nessa obsolescência dos conceitos. Por um lado, ela me parece um efeito de alienação: sentimos que nossos recursos críticos ficam obsoletos na medida em que a propaganda dos poderes da tecnologia faz com que acreditemos que cada nova invenção é realmente capaz de arrasar todo o passado e nos projetar em direção a um futuro absoluto. Nós, pensadores e críticos da sociedade contemporânea, somos também presas desse temor de nos tornarmos obsoletos, de ver as categorias do nosso pensamento ser ultrapassadas pela velocidade das inovações tecnológicas” (Kehl, 2003).

 

Destaco assim a importância de tomar a psicanálise como um conhecimento que não pretende produzir respostas a um certo positivismo e produtivismo social e tecnológico, até mesmo científico. Se me sustento em algum saber, é exatamente no não saber, na impossibilidade de produzir verdades absolutas. Portanto, não pretendo deixar de lado os conceitos fundamentais da psicanálise, que está longe de ser obselta. Pelo contrário, estes conceitos cada vez mais nos ajudam a acompanhar as mudanças sociais e refletir sobre os novos sintomas e novas formas de laço social. Este texto é apenas uma tentativa de circunscrever esse campo que é a Internet.


Continua…

Esse texto tem mais duas partes:

Parte 02

Parte 3

 

Podcast Episódio 08 – Blog Associação livre: Produção de texto na internet

Demorei mas retornei. E volto logo com o audio de uma fala que fiz no curso de Tradução da Universidade Federal de Uberlândia, em que fui gentilmente convidada pela Profa. Cirlana. A temática era a produção de texto, e no meu caso fui convidada para falar sobre a produção de textos para a internet. Espero que gostem de escutar um pouco da história do meu blog e de como acontece a produção das escritas do meu texto.

Links de textos comentados durante o podcast:

Música do Podcast: B.W.O.J. – The D.O.

Qual será seu próximo remédio?

O desejo de encaixotar os sentimentos, a moral e a ética não é novo. E agora dá as caras nas embalagens de remédios que rodam na internet com palavras como Juízo, Desapego. Brincadeirinhas (ou chistes – como diria Freud), nos contam um pouco do desejo de uma sociedade que, em formato jocoso, mostra a cara.

 

Vivemos um momento em que, para todo problema mental, existe uma cura a partir de um remédio indicado. Assim, não é de se estranhar que queiram achar uma pílula que sirva para colocar juízo na cabecinha das pessoas. Mas, ainda bem que não chegamos a esse ponto. E me pergunto, até quando? Porque hoje é apenas uma questão de tempo para que a indústria farmacêutica produza novos sintomas, redefina situações que necessitem de um remédio, que claro, eles já tem em estoque nas farmácias.

Pra tudo hoje temos um transtorno associado – DSM tá ai para nos mostrar isso. E para cada um deles, tempos pelos menos três remédios de indústrias distintas. Tá com dor de cabeça? Remedinho pra vc. Tá com saudade de alguma coisa que nunca existiu? Remedinho para você? Seu amor faleceu ontem? Outro remedinho para voce.

A Psicanálise ainda sustenta que viver é estar o tempo todo fazendo laço, ou seja, criando sentido para o absurdo que é viver. Mas, como criar sentido se nos espaços em que isso se faz possível, há sempre um remedinho esperando por você? Os remedinhos alimentam essa ilusão social de que é preciso ser feliz vinte e quatro horas/sete dias por semana, e essa felicidade é um ideal possível. Até quando vamos desejar ser escravos de uma ditadura do gozo? Quando as pessoas terão coragem para desejar, com toda dor e com todo prazer associados?

“O doce não seria tão doce se não fosse pelo amargo”. (Filme Vanilla Sky)

A partir dos tropeços, dos “entre”, é que os sujeitos e seus desejos podem advir. Então, faço um apelo: parem de repassar informações sem conteúdo. Não sejam meros reprodutores dessas “brincadeirinhas” que ajudam a alimentar um idéia repressora da singularidade e do desejo. Não tenham juízo. Tenham ética: a ética do seu desejo, tão particular quanto ele pode ser.

 

Bin Laden morreu 4000 mil vezes por segundo no twitter – Informação, opinião e fala vazia

No dia da morte de Bin Laden, o twitter registou mais de 4000 tweets por segundo sobre o assunto. Na minha timeline do twitter não foi diferente: piadas, comentários, links para notícias e posts sobre o tema e tudo mais que possamos imaginar. E no dia seguinte os posts em blogs pessoais pipocavam. Irritada, comentei sobre isso no twitter, e acharam que eu não estava sendo sensível com um momento histórico: “oras, essa informação não é apenas mais uma notícia do dia, é a história acontecendo”.

Me expliquei um pouco, mas naquele momento me calei. Em geral, quando estamos bravos com alguma coisa, não conseguimos explicar com clareza o que queremos dizer. Mas agora, depois de um tempo refletindo, tenho mais clareza sobre minha crítica e porque ela aconteceu.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a história está acontecendo todo dia, o tempo todo. Portanto, dizer que uma notícia deve ser falada até o exagero porque se trata da história acontecendo é apenas uma desculpa para falar quando não se tem o que dizer. O que você quer pontuar quando fala o tempo inteiro, ou melhor, repassa o tempo inteiro uma notícia de algo que está acontecendo agora? Que você está em dia com a informação? Que você é conectado? Que você marca a importância do momento? Dúvida: o importante é você marcar que o momento é importante ou mostrar para todo mundo que você marcou a importância do momento? Me parece que esse exagero em repassar a notícia pende para o mostrar que você está em dia e ciente, mais do que realmente parar para entender o que a tal notícia reflete em você e na sua vida…

Em segundo lugar, lendo o texto de Bondía, intitulado Notas sobre a experiência e o saber de experiência, encontrei alguém que explica tudo isso muito melhor do que eu poderia escrever nesse momento. Apresento alguns trechos para vocês:

Em primeiro lugar pelo excesso de informação: A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituir- nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. (…) Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação.

 

Em segundo lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. O sujeito moderno é um sujeito informado que, além disso, opina. É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes, supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo. Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião. Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça.

 

Vamos agora ao sujeito da experiência. Esse sujeito que não é o sujeito da informação, da opinião, do trabalho, que não é o sujeito do saber, do julgar, do fazer, do poder, do querer. (…) o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponi- bilidade fundamental, como uma abertura essencial.


Então, a reflexão que deixo é a seguinte: Será que vivemos a experiência de tudo aquilo que falamos, ou nossas falas são meras repetições dos ditos dos outros? O que temos a dizer quando falamos, quando escrevemos um texto e quando repassamos informações?

O que pode fazer um psicanalista fora da clínica?

Tenho pensado muito e tentado teorizar algo sobre a questão dos Atendimentos Online e a Psicanálise, que relação seria ou não seria essa. Penso também na forma como a Psicanálise parece estar dividida na seguinte dicotomia: um lado extremamente ortodoxo (chegando a “cortar os pés do paciente para caber no divã”); e outro lado cuja teoria é tão mal interpretada, de forma extremamente contraditória e com um fim objetivo outro (a discussão da SPOB e da psicanálise exercida por padres).


Relembrei de toda essa discussão enquanto lia esse texto da Maria Rita Kehl. Recentemente ela apareceu muito na mídia por causa da história com o Estadão. E esse texto parece que sai também de sua experiência com o a mídia e o jornal. Me lembro de uma ocasião, em um grande evento psicanalítico em SP (2008), em que os psicanalistas saíram de uma palestra dela dizendo que ela não era psicanalista, que aquilo que ela fazia não era psicanálise. Assim, sempre a admirei também por enfrentar certas posturas ortodoxas e pequenas, seja no próprio meio psicanalítico ou na mídia, seu local de trabalho.

 

A psicanálise não é uma teoria aplicada à clínica e/ou aplicável para explicar todas as bizarrices de que o humano é capaz. Antes de mais nada, a psicanálise (assim como seu irmão gêmeo em importância, no século XX, o materialismo histórico) não é uma teoria aplicável, é um método investigativo – que parte, evidentemente e assim como o dispositivo marxista, de hipóteses teóricas razoavelmente bem fundamentadas.

(…)

O melhor que um psicanalista pode fazer, na imprensa, é quase idêntico ao melhor que pode fazer um jornalista bem vocacionado: investigar. A diferença está no instrumental de que cada um dispõe, e não no destino do texto. Investigar a história (marxismo), os “fatos” (jornalismo), as motivações e/ou as conseqüências silenciadas de um fato (psicanálise).

 

No texto, quando ela diz que a psicanálise é (além da prática clínica) um método investigativo, sinto que é isso que vem se apagando e se perdendo entre os defensores de certa postura única, a tal psicanálise pura. O que diriam Freud e principalmente Lacan nesse momento histórico da psicanálise em que ela parece cindida: de um lado tão “pura” e de outro tão “perdida”, com diversos bons profissionais vagando entre essas realidades, mas cujos caminhos são solitários, acontecem em pequenos grupos, pequenas discussões, pequenos textos encontrados ao acaso em artigos, textos e entrevistas. Mas é preciso tomar tanto cuidado ao defender essa postura, para não pender também para o outro lado da balança, que vende outra coisa com o nome de psicanálise.

Chego a uma conclusão ainda muito parcial de que o que sustenta uma prática investigativa está diretamente ligado a uma ética profissional,  nesse caso, a ética da psicanálise. É preciso conversar mais sobre a utilização da psicanálise em outros meios, e isso pede por uma discussão ética.


“A ética consiste essencialmente num juizo sobre nossa ação” – Lacan (Seminário 7)

 

Vamos conversar mais sobre a Ética em Psicanálise. Por ora, deixo vocês com duas indicações de leituras sobre o tema:

Sobre Ética e Psicanálise – Maria Rita Kehl

Seminário 7, A Ética em Psicanálise – J. Lacan

Você tem o direito de ser triste

Se você está numa roda de amigos e começa a falar de algum problema seu, em cerca de cinco minutos cada um deles começará a falar de seus problemas pessoais tentando mostrar como o problemas deles é maior. Para eles você está reclamando por pouco e precisa parar de sofrer. É a competitividade por tragédias, podem reparar. O mesmo acontece com doenças: se um pessoa reclama que a gripe está forte demais, logo chegará alguém para dizer que aquilo não é sofrimento, “sofre mesmo quem tem câncer”. Pensando nessa competição no dia-a-dia, as pessoas têm se esforçado para mostrar que a modernidade trouxe facilidades e que nossos sofrimentos de hoje são (ou deveriam ser) muito menores do que os antigos.

Acontece que sofrimento não tem medida comparativa em tabela objetiva. A dor pessoal não pode ser mensurada como se gostaria e devíamos começar a pensar na tal da tolerância e empatia. Por que tendemos a diminuir a dor alheia? Por que achamos que racionalizar a dor do outro mostrando que há coisas piores no mundo ajudará a pessoa a não sentir a dor que ela sente?

Uma pessoa pode sofrer com um simples caquinho de vidro no pé com a mesma sensação de uma mãe que acabou de perder seu filho para o câncer. Será que devemos ficar medindo quem “merece” sofrer mais, quem está mais certo e tem mais direito de sentir suas dores?

Cada pessoa tem seu modo de lidar com a dor e o sofrimento assim como cada uma consegue ou não lidar com elas de uma forma mais silênciosa ou escandalosa. Por que nos permitimos exercer essa posição de julgadores do outro se só temos a nossa experiência como base da análise de dados?

Se alguém está sofrendo horrores porque não sabe o seu lugar no mundo e não sabe ainda o que vai querer de si e da vida, por que não podemos aceitar que aquele sofrimento deve realmente ser insuportável para aquela pessoa e que pode ser possível que ela sofra por anos a fio de depressão e melancolia? Não é só porque crianças passam fome na África que o sentimento dela é diminuido ou menos dolorido.

Vamos deixar que as pessoas sintam suas dores e sofrimentos do jeito que elas estão sentindo, mesmo que para nossa realidade possa parecer exagerado e absurdo. Vamos permitir que as pessoas sejam tristes quando elas quiserem e parar de entrar nessa exigência social de felicidade 100% do tempo.

Tudo NÃO está maravilhoso e muitos estão tristes com essa exigência de felicidade que a modernidade impõe. Antes eu demorava 5 meses e agora demoro uma hora para chegar em algum lugar graças a tecnologia? Ok, isso é muito legal. Mas não me obriga a ser feliz o tempo todo. Novos problemas aparecem quando novas tecnologias são inventadas e isso é mais do que natural. É parte da evolução.

Nossa sociedade nos oferece mil formas de ter prazer (e com isso ser feliz) e nos coloca essa idéia de que não podemos sofrer com nada. “Ah, você vai sofrer porque não sabe o que quer do futuro? Mas tem tanta coisa pra ser feliz, por que você vai sofrer com isso?” Não somos obrigados a ser felizes só porque a sociedade nos oferece mil formas de obter prazer. Da mesma forma, não temos que medir nossa dor em comparação com a dor dos outros, porque cada uma dessas dores são reais e doloridas para cada uma dessas pessoas.

Você não precisa entender o sofrimento do outro. Só precisa deixar que ele sofra o quanto for necessário naquele momento. Empatia e tolerância.

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