Chamada Geral Práticas de Escrita

Convite ao exercício (teórico e prático) de escrita

Coordenação: Aline Accioly Sieiro (Psicanalista)

A primeira tríade que inspira esse convite de trabalho funciona como uma matriz simbólica para bordear nosso território: Cixous, Llansol e Felman. Inspirada por Hélène Cixous em ‘O Riso de Medusa’, convido vocês ao exercício da escrita para permitir o voo das letras, num estilo que faz de Lacan uma lacan’e’ria, para escrever, rir e viver. Essa possibilidade de escrita rouba a língua para fazê-a voar e os sujeitos que, na escrita, se coreografam sem apagar a proposição, abrem passagem à maneira de um enunciado criador, pois não se concebe mais como a repetição copista e ritual de coisas absolutas ditas, mas como o movimento precursor de coisas à dizer, inauditas. 

Através de Maria Gabriela Llansol, nosso desafio implica em considerar que, para escrever, importa saber em que real se entra e questionar se há técnica adequada para abrir caminho a outros. Em nossos encontros, deixaremos a literatura dar lugar à singularidade da experiência de escrita e à sua própria pluralização; espaço paradoxal em que o absolutamente só da experiência de escrita de cada um não faz grupo, mas enodamento em torno desse impossível. 

Nossa bússola está no presente que Shoshana Felman deu a Lacan com o escândalo de parlêtre, invenção que nos permite aproximar o “corpo falante” ao estatuto da letra, considerando a existência de um corpo que não retorna mais como ser, mas como letra: “um corpo só letrado”.       

A segunda tríade que situa nosso campo de trabalho é a histórica preparação para o exercício da psicanálise, que ficou estabelecida como o famoso tripé de formação freudiana – estudo, análise e supervisão, oferecidos pelas instituições reconhecidas pelo próprio Freud. Diversos historiadores da psicanálise produziram um extenso material discutindo os impasses que daí se desprenderam, de caráter político, ético e prático. Dessa querela, nos interessa destacar a impossibilidade de totalização na formação do analista, presente na indicação de Freud (1926): “aquilo que ainda for lacunar precisa ser adquirido por meio de exercícios”. 

É exatamente sobre o ponto de marcação de uma lacuna que Freud indica o exercício, a prática, não necessariamente associada a uma ação pré-determinada. No estabelecido tripé, ganha acento o exercício experienciado pela clínica (análise e supervisão) e o exercício de uma razão teórica (estudos entre pares), ainda que ele mesmo tenha, sobretudo, insistido na escrita como seu exercício de psicanálise. Sua vasta produção psicanalítica testemunha seu estilo singular  de exercício de escrita em torno desta lacuna. 

Além de ganhar destaque como um ponto crucial na história da psicanálise em seu estabelecimento como uma práxis, é interessante notar como tal questão se atualiza ao longo dos tempos. Atualmente, acompanhamos as tentativas de constrição da psicanálise e sua formação, seja pela fundação de uma graduação em psicanálise, seja pela proliferação de escolas de psicanálise (e suas dissoluções), seja pela lenta e gradativa expulsão de seu conteúdo no campo da psicologia, seja pela legalização de seu ofício organizada por psicanalistas religiosos. Há uma intranquilidade no reconhecimento e na constituição de um ‘trabalhador do inconsciente’, cujas artimanhas de solução causam embaraço, sintoma e renovam o mal estar que a psicanálise insiste em esmiuçar em sua infamiliaridade.

Na “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista de Escola”, Lacan (1967) tensiona o estabelecimento formativo freudiano a partir da seguinte afirmação: 

“Antes de mais nada, um princípio: o psicanalista só se autoriza de si mesmo. Isso não impede que a Escola garanta que um analista depende de sua formação. Ela pode fazê-lo, por sua própria iniciativa. E o analista pode querer essa garantia, o que, por conseguinte, só faz ir mais além: tornar-se responsável pelo progresso da Escola, tornar-se psicanalista da própria experiência. […] Mas existe um real em jogo na própria formação do psicanalista. Afirmamos que as sociedades existentes fundam-se nesse real. Partimos também do fato, que tem todas as aparências a seu favor, de que Freud as quis tais como são. Não menos patente – e concebível, para nós – é o fato de que esse real provoca seu próprio desconhecimento, ou até produz sua negação sistemática. […] A passagem de psicanalisante à psicanalista tem uma porta cuja dobradiça é o resto que constitui a divisão entre eles, porque essa divisão não é outra senão a do sujeito, da qual esse resto é causa” 

Mais tarde, na lição de 9 de abril de 1974 do Seminário 21: Os não-tolos erram, Lacan (1973-74, p. 188) faz uma releitura do princípio estabelecido anos antes: 

O ser sexuado não se autoriza senão por si mesmo, mas eu adicionaria, e de alguns outros. Qual é o estatuto desses outros, nesta ocasião, salvo que é em algum lugar – não digo o lugar do Outro – que se trata de situar, saber onde isso se escreve nas minhas fórmulas quânticas da sexuação. […] Enquanto isso, não teria podido ocorrer na minha Escola que é isso o que equilibra meu dizer: Que o analista não se autoriza senão por si mesmo? Isso não quer dizer que ele esteja sozinho para decidir, como acabo de lhes fazer observar no que se refere ao ser sexuado. […] isso implicaria que essa fórmula – que produzi em certa Proposição totalmente axial – receba alguns poucos complementos, alguns poucos complementos que implicam que se seguramente não se pode ser nomeado-para a psicanálise, isto não quer dizer que qualquer um possa entrar nela como um rinoceronte numa loja de porcelana. Quer dizer, independentemente disso, seria preciso que se inscreva naquilo que eu espero que venha a se escrever, porque não é como quando invento, como quando invento o que rege a escolha do ser sexuado, aqui eu não posso inventar, pela razão de que um grupo, um grupo é Real. E inclusive é um Real que não posso inventar pelo fato de que é um Real recém surgido. Porque enquanto não havia discurso analítico não havia o psicanalista. Por isso enunciei que há o psicanalista, por exemplo, eu, fui testemunha, mas isto não pode querer dizer que há um psicanalista. […] Portanto, há coisas, há coisas em nível do que emerge de Real, sob a forma de um funcionamento diferente. De quê? Do que no final das contas tem a ver com letras pois é das letras, das letras que se trata“. 

Da lacuna localizada por Freud, no exercício da psicanálise, Lacan depura o real, um desconhecimento que é parte da própria experiência do inconsciente. Diante dessa inscrição, em que a lacuna se torna signo de uma não-conhecimento irredutível e estrutural, Lacan indica a necessidade de implicação dos analistas nesse impasse e o exercício passa a ser cada vez mais atrelado à uma escrita. Através de sua conjectura lógica sobre a escrita da não relação sexual, o exercício de manipulação da letra e de um topos vai ganhando cada vez mais destaque em seu ensino e essa direção atravessa diretamente a formação do analista. 

Designar-se analista freudo-lacaniano indicaria, nessa perspectiva, uma filiação referida a um campo discursivo e, sobretudo, uma rasura, referência de uma letra e sua manipulação topológica. Nessa divisão designativa, destacamos o lugar de transformação do analisante, o lugar de des-ser do analista e o lugar de transmissão/testemunho do passador em seus diferentes modos de escrita. Para além de tornar oficiante o discurso do analista, a passagem que Lacan acentua não é a da regulação de uma profissão, mas da assunção transformativa de um novo desejo, cuja equação se escreve aos modos de uma cifra que testemunha uma solução, um desfecho nodal. 

O estilo lacaniano de implicar-se no exercício psicanalítico toma corpo no seu topos nodal. O nó borromeano e seus três registros – real, simbólico e imaginário (RSI) -, circunscrevem o valor de sua topologia asférica, constituindo a versão lacaniana de uma escrita: da lacuna à letra ao corpo. Esse é um dos trajetos possíveis da escrita no campo lacaniano, reinserindo o falasser como esse quem transforma a estrutura simbólica, ou seja, deforma a língua particularizando-a, articulando-a topologicamente ao próprio discurso. 

Advertida por Lacan (1972) sobre a topologia, que esta não é um guia, mas a própria estrutura em acontecimento e que a função do escrito não constitui então o catálogo, mas a via mesma da estrada de ferro (Lacan, 1973), acrescentamos a essa hipótese uma condição: a necessidade de formalizar o inconsciente rastreando e testemunhando, em ato de escrituração, a realização formal do impossível, do pas em salto, da negação à sua passagem a escrita. “(…) pois o inconsciente é o testemunho de um saber enquanto ele escapa, em grande parte, ao ser, que dá ocasião de perceber até onde vão os efeitos de lalíngua” (Lacan, 1972-73). Não-todos analistas tomam a estrada do caminho de ferro.

Algumas balizas metodológicas nos orientam nessa experiência de escrita. A primeira baliza é a necessidade de configuração do estatuto da escrita a qual giramos em torno. Não se trata apenas de uma compreensão da escrita como modalidade de expressão e comunicação, produção de texto, ou da definição de gêneros textuais ou discursivos; trata-se de um ‘escrever’ que é designado pela instância da letra, pela ética do sujeito diante do desejo e o inevitável desenho de um estilo. Caminhamos nessa borda, acolhendo as angústias, inibições e sintomas que nos paralisam nesta caminhada. Para isso, percorremos dez módulos em dez meses, com encontros semanais, alternando entre a prática da leitura (estudo teórico) e a prática de escrita (em que cada participante vai definir e desenvolver um texto escrito). 

Público alvo: Estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado), estudantes de graduação (em iniciação científica, escrita de conclusão de curso, etc), profissionais de diversas áreas interessados na escrita em psicanálise, psis que lêem e escrevem seus casos clínicos no consultório, desejosos e curiosos pela escrita em geral. 

ESTE CURSO ACONTECEU DE FEVEREIRO DE 2023 A JULHO DE 2023

Um pedacinho do percurso já realizado no Módulo 01 de Práticas de Escrita – Fev/2023

Caso você tenha interesse em adquirir este curso no módulo – gravado – entre em contato com escritacorpofalante@gmail.com

MARATONA DE ESCRITA – EDIÇÃO PROJETO DE MESTRADO E DOUTORADO/2023

Um pedacinho da Maratona de Escrita – Projeto de mestrado e Doutorado/2023

Na nossa primeira Maratona de Escrita de 2023 o objetivo é te ajudar a levantar um projeto acadêmico para mestrado e/ou doutorado em trinta dias!

Mapa do percurso:

1. A estrutura de um Projeto de Pesquisa (Mestrado e Doutorado)
2. A especificidade do Projeto de Pesquisa com a Psicanálise
3. Organização de suas ideias e esboço de seu projeto de pesquisa, a partir de sua ideia.
4. Separação das referências bibliográficas e o embasamento teórico que você precisa.

Além disso, vou ler o resultado da sua escrita e te auxiliar com as dificuldades, impasses e derivas! 
As aulas são gravadas e você pode assistir quando quiser!

Qual é a parte mais importante de tudo isso? VOCÊ! Se você não acompanhar os exercícios de escrita propostos no prazo, talvez não seja possível escrever um projeto interessante em 30 dias! No entanto, se você não está aqui para chegar em primeiro lugar na corrida, mas para aprender a desenvolver um projeto num tempo maior, ótimo! Podemos ir no seu ritmo. De toda forma, o segredo para o projeto ser realizado é seu trabalho, sua escrita e seu diálogo comigo quando estiver diante de um impasse ou inibição!

Vamos juntes?
Então bora!

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MINICURSO ESCRITA E PSICANÁLISE

Já está disponível nosso primeiro minicurso gratuito com um mapeamento dos estudos em escrita e psicanálise!

Minicurso oferecido e gravado em 2023