A primeira parte deste texto está aqui: Parte 01
1. Contemporaneidade e Internet

Freud (1930), em seu artigo O mal estar na civilização, convoca os psicanalistas a se ocuparem do mal estar do homem no mundo civilizado e a se interessarem pela subjetividade contemporânea. Isso porque a psicanálise está interessada na causa da insatisfação e da angústia do sujeito com o mundo dos objetos. Essa insatisfação já havia sido notada por Freud desde então, pois sua experiência clínica o levou a pensar a tensão nas relações entre sujeito e sociedade e nas formações sociais construídas como respostas ao conflito, que acabava por acarretar mais sofrimento do que seu enfrentamento. O que muda hoje é a realidade em que esse sujeito vive. Ao estudar as modalidades do sofrimento psíquico, os sintomas, compreende-se a sociedade da qual os sujeitos fazem parte, ao mesmo tempo em que ao estudar a sociedade e suas formações compreende-se as modalidades de sofrimento psíquico presentes na história de vida dos homens, num determinado tempo histórico.

Para nos situarmos no tempo social em que vivemos atualmente, Santos (1986) nos conta que o pós-moderno nasce com a computação e oferece à sociedade muitas facilidades trazidas pelas tecnologias. Na modernidade se buscava a essência do ser e no pós-moderno as pessoas recebem tudo pronto com o advento da tecnologia. O autor defende que com a tecnologia as pessoas ficaram mais presas em suas individualidades. No plano econômico, o modelo é chamado capitalismo flexível, no qual o homem se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. Santos(1986) ainda afirma que entre os indivíduos e o mundo estão os meios tecnológicos de comunicação, que não informam sobre o mundo e sim o refazem à sua maneira.

Freud (1930) também fala da modernidade segundo a tecnologia, que caminha junto com a sociedade no sentido de frustrar e distanciar cada vez mais os sujeitos do prazer verdadeiro que eles busca, pois proporciona benefícios que os satisfazem de forma barata, ou seja, dão uma sensação de falsa satisfação. E como a angústia é cada vez maior entre sujeito e sociedade, a tecnologia funciona como uma forma de tamponamento do sofrimento, mas nunca o soluciona por definitivo.

Mas será que essa relação entre homem e tecnologia continua a mesma? Se vivemos um período social que nasceu junto com a inserção tecnológica, como vem acontecendo o avanço dessa relação? Para começar a pensar nesta pergunta, Kaplan (1993) escreve:

 

“O desconforto do homem moderno – enquanto estreante na relação com as máquinas em profusão na pós-revolução industrial –, na pós-modernidade já não é mais identificado. O que existe é uma integração. Um homem-máquina, sem visão crítica em relação às novas tecnologias, uma vez que faz parte dela e por isso não possui distanciamento para avaliar seus efeitos. Se na Antigüidade o homem e a esfera pública eram uma coisa só, na pós- modernidade, será a vez da união entre o homem e a tecnologia.”

 

As opiniões são diversas quando o assunto é a relação entre homem e tecnologia. Lipovestky (1989) escreve:

 

“Não que a sofisticação das tecnologias não tenha auxiliado na constituição da pós-modernidade. Houve sim uma revolução do sujeito ancorada na avalanche tecnológica, mas a tecnologia não enterrou o indivíduo, apenas o tornou mais forte, um verdadeiro Narciso. O que ocorre na pós-modernidade é uma supremacia do sujeito, muito mais do que na modernidade, um aprimoramento do indivíduo que começou a se desenhar enquanto ser absoluto durante o período anterior.”

 

Homem-máquina ou Narcisos, essas pessoas se apropriaram rapidamente da Internet, que surgiu como personagem principal das possibilidades tecnológicas. Mas ao ler estas opiniões, sinto uma toque de nostalgia por parte dos autores, como se fosse  possível pensar no mundo contemporâneo sem Internet. Em relação a esta postura, Lévy (1999), discute a inserção social na internet assumindo que ela é parte do contemporâneo e não pode ser retrocedida.

Se a internet se faz presente como condição da contemporaneidade, Lévy (1999) é contudente quando diz que existe um preconceito infundado com relação à Internet, uma avaliação negativa que não leva a nada, já que as novas tecnologias da comunicação estão bem afirmadas e nada pode deter sua ação no campo antropológico. Para Lévy (1999), a Internet é mais do que uma realidade, ela é parte fundamental da nova sociedade, estando muito além da discussão sobre a validade ou não da comunicação à distância e a necessidade de preservar as diferenças. Ele complementa:

Incansavelmente, é preciso lembrar a frivolidade do esquema da substituição. Da mesma forma que a comunicação por telefone não impediu que as pessoas se encontrassem fisicamente, já que o telefone é usado para marcar encontros, a comunicação por correio eletrônico muitas vezes prepara viagens físicas, colóquios ou reuniões de negócios. Mesmo quando não é acompanhada de encontros, a interação no ciberespaço continua sendo uma forma de comunicação. Mas, ouvimos algumas vezes dizer que algumas pessoas permanecem horas “diante de suas telas!”, isolando-se assim dos outros. Os excessos certamente não devem ser encorajados. Mas dizemos que alguém que lê “permanece horas diante do papel?” Não. Porque a pessoa que lê não está se relacionando com uma folha de celulose, ela está em contato com um discurso, uma voz, um universo de significados que ela contribui para construir, para habitar com sua leitura”  (Levy, 1999, p. 162).

 

Em um primeiro momento, essa afirmação de Lévy pode soar utópica. Mas se voltamos a pensar na singularidades das experiências, parece importante pensar que cada pessoa utiliza a internet a sua maneira, e com isso existem diversas possibilidades nesta relação. Inclusive se começarmos a olhar a Internet em termos de funcionalidade, com tudo que ela proporciona (leitura de livros, escrita de textos, central de notícias e etc.), começaremos a abrir um campo de possibilidades. Se muitos psicanalistas defendem que a internet acentua o narcisismo dos sujeitos, não é por isso que devemos nos distanciar e deixar de pensar numa realidade sem ela. Ao contrário, podemos pensar nas possibilidades que podem ser construídas quando não nos deixamos engolir pela pulsão narcísica.

É claro que não se podemos negar a existência de um caráter extremamente narcisista na contemporaneidade. Por isso vamos pensar um pouco sobre esse o processo de constituição subjetiva e no que ele é impactado pela Internet.

Continua….

Parte 3 chega já já.