Aline Accioly Sieiro - Psicanalista

Categoria: Psicanálise (Page 4 of 13)

Considerações sobre Internet e Alienação Pt. 1

Parte 01

Escrever sobre Internet pelo viés da Psicanálise deixa a sensação de pisar em terreno pantanoso. Nomeio como pantanoso esse campo, esse (des)encontro, porque os psicanalistas que escrevem sobre esse tema parecem se posicionar numa escrita cuja perspectiva é negativa, apontando apenas os problemas. Mas me percebo neste lugar em que utilizo muitos recursos da internet e ao mesmo tempo estou imersa no campo da psicanálise clínica e teórica. A partir desse encontro de campos, me sinto instigada a pensar essas questões, pois acredito que não fazê-lo seria como ignorar um dos aspectos pontuais da atualidade. Jovens e crianças, a quem chamamos de “nativos” usuários da internet e da tecnologia vivem uma realidade que já pressupõe esses dois campos em suas vidas.

Muitos textos psicanalíticos falam das impossibilidades na Internet: são artigos diversos que teorizam sobre a alienação que a Internet promove. Nesse sentido, podemos pensar que a internet ocupa o lugar do Outro ao qual o sujeito permanece alienado? Se propomos uma análise sob o enfoque da experiência pessoal, tão singular quanto ela pode ser para cada sujeito, será que a internet é alienante para todos? Incentivada por essas questões, desejo problematizar a relação entre a alienação na  internet para, posteriormente, refletir sobre a possibilidade de um sujeito do desejo utilizador da Internet.

É importante destacar o lugar teórico de onde começo e que dá suporte a toda essa discussão. Parto de um pressuposto psicanalítico calcado na impossibilidade de um saber sobre tudo. Entendo que essa possibilidade de tudo ter e fazer que a nossa sociedade tecnológica vende pretende apenas tamponar uma falta, uma impossibilidade que é inerente a condição humana. Maria Rita Kehl (2003) nos alerta para os impasses no trato com a tecnologia:

 

“A velocidade vertiginosa em que novas tecnologias de mídia eletrônica são lançadas o mercado, cada qual com a pretensão de tornar obsoletas todas as anteriores, faz com que muitos teóricos dessa área considerem também obsoletos os conceitos utilizados para pensar a sociedade contemporânea. Não compartilho da crença nessa obsolescência dos conceitos. Por um lado, ela me parece um efeito de alienação: sentimos que nossos recursos críticos ficam obsoletos na medida em que a propaganda dos poderes da tecnologia faz com que acreditemos que cada nova invenção é realmente capaz de arrasar todo o passado e nos projetar em direção a um futuro absoluto. Nós, pensadores e críticos da sociedade contemporânea, somos também presas desse temor de nos tornarmos obsoletos, de ver as categorias do nosso pensamento ser ultrapassadas pela velocidade das inovações tecnológicas” (Kehl, 2003).

 

Destaco assim a importância de tomar a psicanálise como um conhecimento que não pretende produzir respostas a um certo positivismo e produtivismo social e tecnológico, até mesmo científico. Se me sustento em algum saber, é exatamente no não saber, na impossibilidade de produzir verdades absolutas. Portanto, não pretendo deixar de lado os conceitos fundamentais da psicanálise, que está longe de ser obselta. Pelo contrário, estes conceitos cada vez mais nos ajudam a acompanhar as mudanças sociais e refletir sobre os novos sintomas e novas formas de laço social. Este texto é apenas uma tentativa de circunscrever esse campo que é a Internet.


Continua…

Esse texto tem mais duas partes:

Parte 02

Parte 3

 

Eventos Segundo Semestre 2011

Estou passando rapidamente para lembrar dos maravilhosos eventos que teremos nessa segunda metade do ano. Eu estarei presente em apenas um deles mas confesso que gostaria de participar de todos.

O primeiro acontece em Curitiba entre os dias 24 e 27 de agosto. É o Congresso Internacional sobre o autismo: Prevenção, Intervenção e Pesquisa. Psicanalistas de peso estarão presentes, como Angela Vorcaro, Alfredo Jerusalinsky e Marie-Christine Laznik. Não dá mais para submeter trabalhos mas ainda é possível efetuar a inscrição como ouvinte. Durante o congresso acontecerão cursos com esses profissionais e por isso o valor das inscrições depende do conjunto de cursos que você deseja se inscrever. Mais informações no site: http://www.congressoautismo.com/index.html

Na seqüência, entre os dias 29 2 31 de agosto, acontece o CONLAPSA: I Congresso Latino Americano de Psicanálise na Universidade. Ele será no Rio de Janeiro e também terá Psicanalistas de peso como Sonia Alberti, Antonio Quinet, Marco Antonio Coutinho Jorge, Luciano Elia e muitos outros… O prazo para submissão de trabalhos terminou, mas ainda é possível se inscrever como ouvinte. Mais informações no site: http://www.conlapsa.com.br/

De 27 a 29 de outubro lá em Salvador vai acontecer o II Congresso Internacional de Psicanálise: A criança e o adolescente no século XXI. Nesse também não é mais possível submeter trabalhos mas ainda é possível se inscrever como ouvinte. É confirmada a participação da Psicanalista Marie-Christine Laznik nesse evento também. Mais informações: http://www.cipsicanalise2011.com.br/event/cip2011/site/content/bem-vindos

Dos dias 04 a 06 de novembro, em Salvador, vai acontecer o XII Encontro Nacional da escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano EPFCL. O tema desse ano é “A lógica da interpretação”. Com muitos Psicanalistas presentes, também vai contar com a presença do AME Marc Strauss (Paris).

No final do ano, entre os dias 09 e 11 de dezembro, acontecerá em Paris o III Encontro Internacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Mais informações no site: http://www.champlacanien.net/public/4/evRencEcole.php?language=4

E assim vamos produzindo e transmitindo a Psicanálise pelo mundo.

Reforma Psiquiátrica e clínica da psicose: o enfoque da Psicanálise

Essa palestra foi proferida pelo convidado Prof. Dr. Fuad Kyrillos Neto no mês de Julho, na Universidade Federal de Uberlândia. Convidado pelo Eixo da Intersubjetividade do Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFU, o professor falou sobre Reforma psiquiátrica e clínica da psicose: o enfoque da psicanálise.


“Prof. Dr. Fuad Kyrillos Neto possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993), mestrado em Psicologia pela Universidade São Marcos (2001) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Atualmente é professor adjunto I do Departamento de Psicologia Clínica e Sociedade da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: clínica, subjetividade, psicanálise, reforma psiquiátrica, inclusão, escuta e instituições” (Lattes)

 

*O gravador estava com problemas no dia da gravação e o audio não ficou muito bom, bem baixo. Mas é possível escutar. Espero que possam aproveitar porque a palestra foi muito boa.

Olha o que eu olho: perceber é conceber, criar.

* Esta reportagem foi publicada no Jornal Significantes, em sua primeira edição (Maio/Junho 2011).

Por Aline Sieiro

A professora Anamaria me chamou atenção desde o primeiro dia em que a conheci, na minha entrevista de seleção do mestrado. Alguma coisa no seu jeito amável, na sua voz suave me deixaram tranqüila e ao mesmo tempo curiosa, instigada. Tempos depois, já na disciplina de Métodos de Pesquisa em Psicologia, no Mestrado, tivemos a oportunidade de ter duas semanas de aulas com ela. Me surpreendi com o jeito sedutor que ela apresentava a Psicanálise para alunos de diversas áreas. Achei de uma sensibilidade imensa a forma como ela apresentava o seu trabalho e a Psicanálise para todos nós.

Naqueles encontros, percebemos o valor que ela dá para a experiência e em como se envolver no que fazemos de forma a transformar e estar sempre criando e cultivando vínculos. Em certo momento, os alunos puderam compartilhar uma experiência de suas vidas, e toda a sala ficou muito emocionada com a oportunidade de produzir um momento de vínculo, reflexão e muita emoção.

Quando pensei na possibilidade de produzir uma entrevista para o Jornal, convidei algumas pessoas, mas a oportunidade de abrir este espaço com a fala da professora Anamaria fez muito sentido. Me parece importante conhecer um pouco mais de alguém que tem o desejo de nos incentivar e motivar para algo mais. Me parecia interessante também reparar nessa união que por vezes parece contraditória, entre uma pesquisadora tão sensível e um tema de pesquisa tão perturbador como é a violência. Como trabalhar com violência e ainda ser tão sensível aos outros, preocupada e atenciosa? Começo a acreditar que esse é o caminho, não tão contraditório assim…

Apresento aqui o áudio da entrevista. Como sempre, o tempo é curto e as perguntas são muitas, por isso deixamos vocês com gostinho de quero mais…

(Quem quiser o a versão online do Jornal – com a reportagem escrita – deixe um comentário com o email que eu envio. Ainda não estamos com o site do jornal ativo, aviso assim que estiver).

Podcast Episódio 08 – Blog Associação livre: Produção de texto na internet

Demorei mas retornei. E volto logo com o audio de uma fala que fiz no curso de Tradução da Universidade Federal de Uberlândia, em que fui gentilmente convidada pela Profa. Cirlana. A temática era a produção de texto, e no meu caso fui convidada para falar sobre a produção de textos para a internet. Espero que gostem de escutar um pouco da história do meu blog e de como acontece a produção das escritas do meu texto.

Links de textos comentados durante o podcast:

Música do Podcast: B.W.O.J. – The D.O.

Qual será seu próximo remédio?

O desejo de encaixotar os sentimentos, a moral e a ética não é novo. E agora dá as caras nas embalagens de remédios que rodam na internet com palavras como Juízo, Desapego. Brincadeirinhas (ou chistes – como diria Freud), nos contam um pouco do desejo de uma sociedade que, em formato jocoso, mostra a cara.

 

Vivemos um momento em que, para todo problema mental, existe uma cura a partir de um remédio indicado. Assim, não é de se estranhar que queiram achar uma pílula que sirva para colocar juízo na cabecinha das pessoas. Mas, ainda bem que não chegamos a esse ponto. E me pergunto, até quando? Porque hoje é apenas uma questão de tempo para que a indústria farmacêutica produza novos sintomas, redefina situações que necessitem de um remédio, que claro, eles já tem em estoque nas farmácias.

Pra tudo hoje temos um transtorno associado – DSM tá ai para nos mostrar isso. E para cada um deles, tempos pelos menos três remédios de indústrias distintas. Tá com dor de cabeça? Remedinho pra vc. Tá com saudade de alguma coisa que nunca existiu? Remedinho para você? Seu amor faleceu ontem? Outro remedinho para voce.

A Psicanálise ainda sustenta que viver é estar o tempo todo fazendo laço, ou seja, criando sentido para o absurdo que é viver. Mas, como criar sentido se nos espaços em que isso se faz possível, há sempre um remedinho esperando por você? Os remedinhos alimentam essa ilusão social de que é preciso ser feliz vinte e quatro horas/sete dias por semana, e essa felicidade é um ideal possível. Até quando vamos desejar ser escravos de uma ditadura do gozo? Quando as pessoas terão coragem para desejar, com toda dor e com todo prazer associados?

“O doce não seria tão doce se não fosse pelo amargo”. (Filme Vanilla Sky)

A partir dos tropeços, dos “entre”, é que os sujeitos e seus desejos podem advir. Então, faço um apelo: parem de repassar informações sem conteúdo. Não sejam meros reprodutores dessas “brincadeirinhas” que ajudam a alimentar um idéia repressora da singularidade e do desejo. Não tenham juízo. Tenham ética: a ética do seu desejo, tão particular quanto ele pode ser.

 

A importância do circuito pulsional na prevenção precoce do autismo

Este texto* saiu da minha leitura do livro: “A voz da Sereia: o autismo e os impasses na constituição do sujeito” – Marie-Christine Laznik. Faz parte também do que estará presente na minha dissertação de Mestrado. Lá, investigo como se dá a constituição subjetiva de crianças com deficiência visual congênita.

(*não posso nem chamar de texto, seria mais um corte bem grosseiro, ainda.)

As pessoas sempre ficam buscando os culpados e as causas do autismo, depois que ele já está instalado. Outro dia falaram até mesmo da busca pela explicação genética. Laznik nos mostra que pode até ser possível encontrar causas orgânicas, mas questiona como isso pode mudar alguma coisa depois que a situação já está instalada. E mais, explica que biológico e psíquico não se opõem.

Laznik defende também a impossibilidade de determinar uma possível culpa, ainda que muitas pesquisas e autores sustentem muitas hipóteses que caminhem para esse sentido. Em geral se culpa a mãe, mas essa culpa em nada ajuda a entender e prevenir a instalação de um funcionamento autista.

Não é que uma mãe não vê que seu bebê não a olha, ou que lhe faltou o olhar fundador do Outro primordial. Os filmes familiares mostram o estado de petrificação em que suas mães se encontravam. (…) Um bebê que não responde, que não busca sua mãe, pode fazer com que ela acabe por cuidar dele de forma maquinal, como as enfermeiras em hospital. Hoje diria que certos bebês não se deixam enganar por nenhum apelo carinhoso, como se percebessem, cedo demais, a intrínseca ambivalência de todo amor.

Acredito cada vez menos numa depressão materna como fator central desencadeante do autismo (…) a fragilidade de tal bebê também deve ser levada em conta na desorganização que possa ter suscitado em sua mãe no tempo do pós-parto. A não resposta de um bebê pode desorganizar sua mãe.

A importância da voz já está presente, está em ação meses antes do nascimento propriamente dito. (…) A voz é primeira e comanda o olhar, e não o inverso. (…) Haveria no manhês, empregada por aquele que está em função do Outro primordial, uma dimensão irresistível, que até mesmo um futuro bebê autista não poderia deixar de responder. Isso pode ser algo que determina a alienação radical do pequeno homem ao desejo do Outro.

Do ponto de vista psicanalítico, o autismo pode ser considerado uma tradução clínica da não-instauração de um certo número de estruturas psíquicas que, por sua ausência, só podem acarretar déficits de tipo cognitivo, entre outros. Quando estes déficits se instalam de maneira irreversível, podemos falar de deficiência. Esta deficiência seria então a conseqüência de uma não instauração das estruturas psíquicas, e não o contrário. (…) É ai que podemos intervir, e que podemos falar de uma prevenção possível da instalação de um funcionamento autística. 

Fazer intervenção quer dizer intervir no laço pais-criança. A síndrome autista clássica, segunda Laznik, é uma conseqüência de uma falha no estabelecimento deste laço, sem o qual nenhum sujeito pode advir.

Privilegio a detecção de dois sinais maiores: inicialmente o não-olhar entre bebê e sua mãe, sobretudo se esta mãe não parece se dar conta disso; de outra parte o que eu chamo de fracasso do circuito pulsional completo.

O olhar do Outro primordial como constituitvo do eu e da imagem do corpo: o não olhar entre uma mãe e seu filho, sobretudo se a mãe não se apercebe disso, constitui um dos sinais que permitem pensar, durante os primeiros meses de vida, na hipótese de autismo – as estereotipias e automutilações só aparecem no segundo ano. Se este não-olhar mais tarde não evoluir para uma síndrome autista caracterizada, é sinal, em todo caso, de uma dificuldade maior no nível da relação especular com o outro. Sem uma intervenção nesse momento, o estádio do espelho não e constituirá, ou pelo menos não convenientemente. (…) Lacan (1936) nos fala da importância do estádio do espelho, momento em que a criança se vira para o adulto que a sustenta, que a carrega e pede-lhe confirmação, pelo olhar, do que ele percebe no espelho como uma assunção de uma imagem (…) é essa imagem que vai dar ao bebê seu sentimento de unidade, sua imagem corporal, base de seu relacionamento com os outros, seu semelhantes.

O que vem a se constituir para o bebê mais tarde a vivência do seu corpo, supõe uma articulação complexa entre sua realidade orgânica e o que eu chamo de olhar dos pais. Este olhar não se confunde com visão. Trata-se sobretudo de uma forma particular de investimento libidinal (…) uma ilusão antecipatória onde eles percebem o real orgânico do bebê, aureolado pelo que ai se representa, aí ele poderá advir. Mas o que chamo de olhar é também o que permite à mãe escutar de início nos balbucios do bebê, mensagens significantes que ele fará suas mais tarde. Ver e escutar o que ainda não está para que um dia possa advir.

Mas só o sinal desse não-olhar não basta por si para falar de um possível autismo. Há um segundo sinal, que Laznik chama de a não instauração do circuito pulsional completo. Mas para entender o que é isso, precisamos primeiro entender como funciona o conceito de pulsão para Freud. Pulsão não é necessidade. Para Lacan (1964), o que se refere a pulsão não é do registro do orgânico. Lacan (1964): a pulsão alcançando seu objeto, percebe de algum modo que não é por ai que ela se satisfaz (…), porque nenhum objeto (…) da necessidade pode satisfazer a pulsão (…).

 

Os três tempos pulsionais

Freud descreve o trajeto pulsional em três tempos. (…) Num primeiro tempo, que Freud chama de ativo, o bebê vai em busca do objeto oral (peito, mamadeira) para dele apoderar-se. Ele captura o peito, ela busca e se apossa do peito. Isso é fácil de ser visto por médicos nos exames clínicos.

O segundo tempo do circuito pulsional é também o objeto da atenção particular de um médico atento: ver se o bebê tem uma boa capacidade auto-erótica, se ele é capaz em particular de chupar sua mãe, seu dedo ou então uma chupeta. (…) Chamamos isso de experiência alucinatória de satisfação, intimamente ligada ao auto-erotismo.

O terceiro tempo do circuito pulsional chamamos de satisfação pulsional. Nele, a criança vai se fazer de objeto de um novo sujeito. (…) A criança se assujeita a um outro, que vai se tornar o sujeito da pulsão do bebê. Haveria ai, no nascimento mesmo da questão do sujeito no ser humano a forma radical de uma alienação. E como podemos verificar esse momento, que aliás, é o momento que escapa da avaliação clínica de medicos e muitos profissionais? É o momento em que o bebê coloca seu dedo (do pé ou da mão) na boa da mãe, que vai fingir comê-lo de maneira prazeirosa. Esse jogo que se coloca entre mãe-bebe não pretende saciar uma necessidade orgânica qualquer. É uma passividade aparente do bebê, que, na verdade, busca fisgar o gozo do Outro materno. Ele se faz comer pelo outro, ou seja, ele se faz objeto.

A pulsão não é necessidade (…) a pulsão se satisfaz pelo fato de que este circuito gira e de que cada um dos tempos tornará a passar um infinito número de vezes. Nós só podemos estar certos do caráter verdadeiramente pulsional dos dois primeiros tempos, na medida em que tivermos constatado o terceiro. Isso porque o segundo tempo pode enganar. Acontece de um bebê chupar chupeta ou o próprio dedo, mas não existir nada de auto-erótico nesses movimentos. Só podemos falar de um verdadeiro auto-erotismo se a dimensão de representação do Outro, e mesmo do seu gozo, se inscreveu sob a forma de traço mnêmico no aparelho psíquico da criança.

Nesse momento, pouco importa se a causa da não instauração deste terceiro tempo do circuito pulsional vem da dificuldade constituitva da criança que não procura ativamente o Outro, ou se o problema está na falta de resposta daquele que ocupa o lugar do Outro primordial. Há falhas nos dois casos. E é ai que entra o psicanalista, que pode perceber esse movimento relacional e a partir dai trabalhar com mãe-bebê, para que o circuito pulsional completo se estabeleça.

Podemos intervir no registro psíquico. É o que chamamos de prevenção possível.

Para finalizar, é importante destacar aqui a diferença entre psicose e autismo. Esse terceiro tempo pulsional de encontra sempre presente no bebê que apresentará mais tarde uma psicose infantil. Este bebê se assujeita facilmente a sua mãe (…) o problemático para ela é conhecer o limite deste gozo. (…) O que fracassa é sobretudo (…) a função separadora produzida pela metáfora paterna. (…) Em caso de perigo de evolução autística, não é disto que se trata, mas do fracasso no tempo da própria alienação.

 

O que pode fazer um psicanalista fora da clínica?

Tenho pensado muito e tentado teorizar algo sobre a questão dos Atendimentos Online e a Psicanálise, que relação seria ou não seria essa. Penso também na forma como a Psicanálise parece estar dividida na seguinte dicotomia: um lado extremamente ortodoxo (chegando a “cortar os pés do paciente para caber no divã”); e outro lado cuja teoria é tão mal interpretada, de forma extremamente contraditória e com um fim objetivo outro (a discussão da SPOB e da psicanálise exercida por padres).


Relembrei de toda essa discussão enquanto lia esse texto da Maria Rita Kehl. Recentemente ela apareceu muito na mídia por causa da história com o Estadão. E esse texto parece que sai também de sua experiência com o a mídia e o jornal. Me lembro de uma ocasião, em um grande evento psicanalítico em SP (2008), em que os psicanalistas saíram de uma palestra dela dizendo que ela não era psicanalista, que aquilo que ela fazia não era psicanálise. Assim, sempre a admirei também por enfrentar certas posturas ortodoxas e pequenas, seja no próprio meio psicanalítico ou na mídia, seu local de trabalho.

 

A psicanálise não é uma teoria aplicada à clínica e/ou aplicável para explicar todas as bizarrices de que o humano é capaz. Antes de mais nada, a psicanálise (assim como seu irmão gêmeo em importância, no século XX, o materialismo histórico) não é uma teoria aplicável, é um método investigativo – que parte, evidentemente e assim como o dispositivo marxista, de hipóteses teóricas razoavelmente bem fundamentadas.

(…)

O melhor que um psicanalista pode fazer, na imprensa, é quase idêntico ao melhor que pode fazer um jornalista bem vocacionado: investigar. A diferença está no instrumental de que cada um dispõe, e não no destino do texto. Investigar a história (marxismo), os “fatos” (jornalismo), as motivações e/ou as conseqüências silenciadas de um fato (psicanálise).

 

No texto, quando ela diz que a psicanálise é (além da prática clínica) um método investigativo, sinto que é isso que vem se apagando e se perdendo entre os defensores de certa postura única, a tal psicanálise pura. O que diriam Freud e principalmente Lacan nesse momento histórico da psicanálise em que ela parece cindida: de um lado tão “pura” e de outro tão “perdida”, com diversos bons profissionais vagando entre essas realidades, mas cujos caminhos são solitários, acontecem em pequenos grupos, pequenas discussões, pequenos textos encontrados ao acaso em artigos, textos e entrevistas. Mas é preciso tomar tanto cuidado ao defender essa postura, para não pender também para o outro lado da balança, que vende outra coisa com o nome de psicanálise.

Chego a uma conclusão ainda muito parcial de que o que sustenta uma prática investigativa está diretamente ligado a uma ética profissional,  nesse caso, a ética da psicanálise. É preciso conversar mais sobre a utilização da psicanálise em outros meios, e isso pede por uma discussão ética.


“A ética consiste essencialmente num juizo sobre nossa ação” – Lacan (Seminário 7)

 

Vamos conversar mais sobre a Ética em Psicanálise. Por ora, deixo vocês com duas indicações de leituras sobre o tema:

Sobre Ética e Psicanálise – Maria Rita Kehl

Seminário 7, A Ética em Psicanálise – J. Lacan

Não há sentido prévio: o desentendido é o resto

“O morto ainda está quente. Vamos esperar esfriar”.


Com essa frase de humor negro, começo a pensar em como escrever um texto sobre tudo que aconteceu na escola do Rio de Janeiro. Quase não assisti televisão nessa época e da mesma forma evitei ler muitas reportagens que saíram discutindo o tema. Mas o pouco que vi me deixou incomodada, e fiquei me perguntando sobre a ética profissional e pessoal: que ética é essa?

Para tentar responder essa pergunta, comecei a pensar em como uma tragédia reaviva em nós o sentimento e o desejo de que a vida tenha um sentido pronto, uma verdade única e absoluta. No meio de tanta confusão, tristeza e mortes, surge o desejo de entender, compreender, refazer os passos da tragédia para encontrar algum alívio, alguma resposta que dê sentido a angústia da dor e incompreensão. Mas é nesse ponto que os problemas começam.

Na tentativa de entender quando tudo ainda está muito confuso e muito próximo ao evento, começamos a fazer associações e tecer teorias que falam menos do que aconteceu e respondem mais ao nosso desejo de descobrir a verdade sobre aquilo. E a mídia entra nesse viés produzindo entrevistas, reportagens e vídeos, repassando o senso comum e interpretações selvagens, radicais e em recortes fragmentados. Chuvas de interpretações, acusações e culpas que só contribuem para a perpetuação de verdades parciais e tendenciosas.

Parece difícil sustentar o não saber. Nem tudo tem um sentido e uma explicação racional, principalmente quando falamos de tragédias. Achar culpados é evitar pensar no não sentido da vida e de muitas experiências que vivemos ao longo dela.

Evitei escrever sobre o tema porque ainda acho muito cedo para tecer teorias. Talvez isso nem mesmo será possível. Entendo a necessidade social dessa prática, mas acredito que precisamos relembrar a ética que envolve a criação e a divulgação dessas interpretações desesperadas que se propagam com muita velocidade nos temos atuais.

A ética da psicanálise, entre tantas coisas, está no sustentar o não saber, o desentendido e tudo aquilo que não podemos compreender. Será que não estamos fazendo as perguntas erradas? Um exemplo: Não vamos pensar no por que ele matou tanta gente (era louco, fanático, psicótico?), mas sim no que todas as pessoas que passaram pela vida dele deixaram de fazer para que ele chegasse a agir da forma que agiu. O que nossa sociedade e nossa escola tem feito, dia a dia, para perceber e evitar que atitudes como essa aconteçam? E no pessoal, o que você, na especificidade da sua profissão, tem feito para mudar essa realidade e não perpetuar interpretações selvagens e especulativas? Qual é a linha que separa a escrita crítica da escrita que perpetua ações sensacionalistas? Qual a diferença entra uma pessoa desinformada que assiste a programas sensacionalistas e de você que faz críticas a esses programas mas continua assistindo? Por que pensamos primeiro em proibir o porte de armas e não em investir na educação, saúde, serviços psicológicos para que as pessoas não precisem buscar uma arma e uma ação de assassinato em massa?

Como sempre, deixarei vocês com mais perguntas e reflexões do que respostas. Por que a verdade é sempre parcial e singular.

Entender é sempre limitado.

A formação do Psicanalista – EPFCL

“Antes de mais nada, um princípio: o psicanalista só se autoriza
de si mesmo.”

Encontramos este princípio na primeira página da Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. Em geral, este princípio isolado, separado do parágrafo seguinte:

“Isso não impede que a Escola garanta que um psicanalista depende de sua formação”

tem dado margem a interpretações das mais ingênuas às mais sintomáticas. Em geral, encontramos psicanalistas praticantes que compreendem este “autorizar-se de si mesmo” pelo seu avesso, como independência da formação. Algo que ressoa na forma de um “analiso, logo sou”, pelo qual a autorreferência institui uma consistência de ser cujos efeitos podem levar à tirania de quem toma para si a suposição de saber.
O psicanalista não é um mestre. Primeiro, porque o mestre, estruturalmente, não quer saber de nada; deixa isso para o escravo. Segundo, porque o mestre se apóia numa imagem de saber. O mestre se autoriza a partir da imagem de um saber. Autorização precipitada e sustentada pelo olhar do outro. Não é este o caso do psicanalista, pois seu saber é o saber da castração.
De outro lado, quando dizemos “não é isso: o analista não é o sujeito suposto saber”, vemos o pêndulo deste “autorizar-se de si mesmo” virar para o lado oposto, e então encontramos a mistificação da experiência, o que dá ao “autorizar-se de si mesmo” um caráter iniciático e inefável avesso ao saber, dispensando, de um modo diferente, a dependência do psicanalista de sua formação. Lacan nos alerta, na mesma Proposição: se do saber suposto ele nada sabe,“isso não autoriza o psicanalista, de modo algum, a se dar por satisfeito com saber que nada sabe, pois o de que se trata é do que ele tem de saber”. Sabemos também que, em nossa transferência com a psicanálise, somos sempre convocados a dar nossas provas, sobre as quais podemos fundar eticamente diferenças e tentar ordenar diferentes níveis de engajamento. Se tivermos uma orientação, um oriente, temos um percurso. Nesse percurso, não estamos todos no mesmo lugar, não viemos todos do mesmo ponto, não fazemos todos o mesmo trajeto. Há diferenças, mas não se trata de transformá-las em hierarquias burocráticas ou de deixá-las cair no autoritarismo. Tampouco podemos apagá-las em nome de uma identidade corporativista ou de uma pseudo-igualdade que faça do “cada um tem o seu tempo” uma formulação relativista e desorientada.

Portanto, o psicanalista tem de saber, mas isto não basta, pois ele tem que dar as provas de seu saber, o que não se faz sem uma comunidade voltada à formação de psicanalistas.

As diferenças só têm sentido se fundarem-se nas provas que são dadas, donde trazemos à tona que a experiência do real que temos com a psicanálise não pode ficar no inefável, mas precisa ser formalizada e transmitida, o que nos faz retornar novamente à importância da formação do psicanalista.

São as interpretações do princípio da autorização que se assenhoram de si e não se endereçam a um fazer Escola que mantém o risco sempre iminente de fazer a prática da psicanálise recair no campo da sugestão e da eficácia simbólica. A formação do psicanalista, portanto, é coisa séria, a ponto de termos que fazer dela uma série, retomando-a sempre que os sintomas da autorização voltam a ameaçar o horizonte ético e político da psicanálise, isto é, da formação dos psicanalistas.

A formação do analista será, portanto, tema dos Fóruns do Campo Lacaniano em 2011.

O que se pretende com este tema é fazer um nó com as questões de direção do tratamento e de transmissão da psicanálise que estarão bastante presentes em nos debates até 2012, tendo em vista os temas dos próximos encontros: O que responde o analista (VII Encontro Internacional, que será no Rio de Janeiro, em 2012), A lógica da interpretação (tema do XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL-Brasil, que será em Salvador, de 12 a 14 de novembro) e, em especial, As análises, seus finais e o que segue, tema do III Encontro da Escola, que será em Paris, em dezembro.

 

http://www.campolacanianosp.com.br/index.html

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