“O morto ainda está quente. Vamos esperar esfriar”.


Com essa frase de humor negro, começo a pensar em como escrever um texto sobre tudo que aconteceu na escola do Rio de Janeiro. Quase não assisti televisão nessa época e da mesma forma evitei ler muitas reportagens que saíram discutindo o tema. Mas o pouco que vi me deixou incomodada, e fiquei me perguntando sobre a ética profissional e pessoal: que ética é essa?

Para tentar responder essa pergunta, comecei a pensar em como uma tragédia reaviva em nós o sentimento e o desejo de que a vida tenha um sentido pronto, uma verdade única e absoluta. No meio de tanta confusão, tristeza e mortes, surge o desejo de entender, compreender, refazer os passos da tragédia para encontrar algum alívio, alguma resposta que dê sentido a angústia da dor e incompreensão. Mas é nesse ponto que os problemas começam.

Na tentativa de entender quando tudo ainda está muito confuso e muito próximo ao evento, começamos a fazer associações e tecer teorias que falam menos do que aconteceu e respondem mais ao nosso desejo de descobrir a verdade sobre aquilo. E a mídia entra nesse viés produzindo entrevistas, reportagens e vídeos, repassando o senso comum e interpretações selvagens, radicais e em recortes fragmentados. Chuvas de interpretações, acusações e culpas que só contribuem para a perpetuação de verdades parciais e tendenciosas.

Parece difícil sustentar o não saber. Nem tudo tem um sentido e uma explicação racional, principalmente quando falamos de tragédias. Achar culpados é evitar pensar no não sentido da vida e de muitas experiências que vivemos ao longo dela.

Evitei escrever sobre o tema porque ainda acho muito cedo para tecer teorias. Talvez isso nem mesmo será possível. Entendo a necessidade social dessa prática, mas acredito que precisamos relembrar a ética que envolve a criação e a divulgação dessas interpretações desesperadas que se propagam com muita velocidade nos temos atuais.

A ética da psicanálise, entre tantas coisas, está no sustentar o não saber, o desentendido e tudo aquilo que não podemos compreender. Será que não estamos fazendo as perguntas erradas? Um exemplo: Não vamos pensar no por que ele matou tanta gente (era louco, fanático, psicótico?), mas sim no que todas as pessoas que passaram pela vida dele deixaram de fazer para que ele chegasse a agir da forma que agiu. O que nossa sociedade e nossa escola tem feito, dia a dia, para perceber e evitar que atitudes como essa aconteçam? E no pessoal, o que você, na especificidade da sua profissão, tem feito para mudar essa realidade e não perpetuar interpretações selvagens e especulativas? Qual é a linha que separa a escrita crítica da escrita que perpetua ações sensacionalistas? Qual a diferença entra uma pessoa desinformada que assiste a programas sensacionalistas e de você que faz críticas a esses programas mas continua assistindo? Por que pensamos primeiro em proibir o porte de armas e não em investir na educação, saúde, serviços psicológicos para que as pessoas não precisem buscar uma arma e uma ação de assassinato em massa?

Como sempre, deixarei vocês com mais perguntas e reflexões do que respostas. Por que a verdade é sempre parcial e singular.

Entender é sempre limitado.