Aline Accioly Sieiro - Psicanalista

Categoria: Psicanálise (Page 5 of 13)

Cassação do Conselho Federal de Psicanálise

(Via Kanzler Melo – Fonte Revista Contato)

Em 17/02 a Ministra Ellen Gracie, do Superior Tri- bunal Federal, negou o seguimento do Recurso Extraordinário interposto pelo Conselho Federal de Psicanálise do Brasil. Com isso o referido Conselho está impedido de praticar os atos consubstanciados em seu “Estatuto Social”, bem como, de utilizar o título de Conselho Federal. Essa decisão mantém a anterior, do Tribunal Regional Federal, de 17 de junho de 2003, de que anulava todos os atos praticados pelo referido con- selho, no exercício das atividades de fiscalização da pro- fissão de psicanalista clínico.

A ação solicitando a suspensão de todos os efeitos decorrentes da criação do Conselho Federal de Psicanálise Clínica, a ordenação de que o órgão se abstives- se da prática de todos os atos consubstanciados em seu Estatuto Social, bem como a declaração da nulidade

dos atos praticados pelo mesmo foi movida pelo Con- selho Regional de Psicologia – 8a Região e pelo Conselho Federal de Psicologia.

No CRP-08 o entendimento era de que o Conselho Fed- eral de Psicanálise do Brasil não poderia fiscalizar o exer- cício profissional de psicanalista, pois tal prática usurpava a sua esfera de competência, para os conselhos profis- sionais a competiencia para fiscalizar é reconhecida a par- tir de Lei Federal. No caso do Conselho Federal de Psi- canálise a lei não existe.

Conforme a Assessora Jurídica do CRP-08, Zenaide Carpanez (OAB-PR 18.420), com a decisão do STF está cassado o Conselho Federal de Psicanálise do Brasil, em definitivo – portanto não pode exercer atividades de fis- calização – restando ao Conselho Regional de Psicologia do Paraná requerer que suas portas sejam fechadas. •

 

Não vamos transformar a violência em uma discussão de gêneros

Inspiradas no dia internacional da mulher, blogueiras escreveram diversos textos sobre a violência sofrida por mulheres. Belos textos (Toda mulher tem uma história de horror para contar I e II) que contam um pouco pedaços de histórias e narrativas sobre violência. Toda mulher já deve ter passado por isso algum dia. Mas fiquei um pouco incomodada com a separação de gêneros nessa questão. E, apesar de concordar completamente com a discussão que se coloca no universo feminino, venho aqui falar um pouco sobre a violência masculina, para defender que violência não deveria ser combatida com a separação de gêneros.

 

“A violência é uma organização dos poderes da pessoa a fim de provar seu próprio poder, a fim de estabelecer o valor do eu (…) mas ai unir os diferentes elementos do eu, omite a racionalidade” – R. May

 

1. O ato violento na infância

Sabemos que as histórias de violência têm suas raízes ainda bem no começo da vida, nos primeiros anos de vida. Já nessa época, centenas de pessoas sofrem algum tipo de violência – desde o tapinha e gritos para educação, até algum tipo de abuso sexual por parte de pais e familiares.

Podemos dizer que as histórias de violência infantil são tão comuns que se tornaram corriqueiras a ponto de acontecer com uma certa aceitação social. Se presenciamos alguma cena que nos indique que a criança está sofrendo algum tipo de abuso, a nossa tendência é achar que estamos “vendo coisas” e que é preciso respeitar a indivudalidade de cada família e suas regras internas. Não é a toa que a grande maioria de casos de abuso sexual infantil, quando descobertos – já tardiamente, sempre vêm acompanhados de histórias em que a vítima contou e pediu ajuda mas não foi atendida. As histórias de violência sempre apresentam três personagens: a vítima, o agressor e a testemunha. Há sempre alguém que se cala.

Violências físicas e psicológicas estão presentes em grande parte das famílias, e parecem já instituidas, tão coladas as histórias familiares que as vezes parece impossivel interferir nessa realidade. Em seu livro sobre violência, Anamaria Neves nos conta um pouco sobre como a violência se apoia em algumas concepções sociais (sobre como deve ser a infância) e como certo grau de violência é socialmente e históricamente aceito. Esse tipo de violência, já tão cedo, foi e ainda é exercida com a cumplicidade de muitas instituições como igrejas, escolas e até mesmo o Estado. Ainda hoje podemos escutar histórias em que a violência familiar não pode ser impedida porque têm a cumplicidade de uma determinada religião e aceitação social.

Muitos pais agressores, quando participam de alguma intervenção psicológica, por vezes parecem vítimas de seu próprio comportamento agressivo e quando paramos para escutar essa história, percebemos que a violência infantil por vezes tem raízes na história familiar, de forma transgeracional.

 

2. Agressor já foi vítima

A violência infantil aparece nas histórias como uma estranha forma de amar. “Faço isso porque amo, para educar”. Desde pequena, a criança vai aprendendo um pouco mais sobre essa estranha maneira de amar. E quando adultos, tendem a reproduzir essa busca por amor à sua maneira. Violência e amor/desejo aparecem de uma forma tão colada, que parece ser impossível amar ou desejar sem atuar de forma violenta. Por essas e tantas outras razões, a maioria dos agressores de hoje foi a vítima de ontem.

É comum escutarmos de homens agressores, quando questionados sobre o porque da violência, que eles de fato acreditam que as mulheres “estavam pedindo, gostando”. Ficamos enojados com esse tipo de frase mas não paramos para escutar as raízes dessa crença, que em geral veio lá da história desse agressor. Afinal, frente a uma história de horror, é muito mais natural que usemos a dicotomia do bem contra o mal, porque é muito mais complicado tentarmos compreender um pouco tudo que está envolvido nesse horror. Ser agredido é terrível, mas encontrar na agressão a única forma de relacionamento com o outro também pode ser terrível. Se falhamos em olhar para esse agressor quando ele ainda era vítima, não podemos falhar duas vezes e negar seu direito de também ser olhado, cuidado, escutado – talvez pela primeira vez.

3. Violência sexual contra o homem

Sabemos o quanto as mulheres sofreram abusos e violência ao longo da história, e também sabemos que essa história aos poucos está mudando. As vítimas cada vez mais tem tido apoio suficiente para contar suas histórias e têm a oportunidade de exorcizar seus medos e seus horrores. Já algum tempo essas histórias são bem vindas, e a luta para mostrar que a culpa da violência não é da vítima deu essa oportunidade para muitas pessoas.

Mas quando falamos apenas da violência sofrida por mulheres, deixamos de lado as muitas histórias de violência contra o homem. Com histórias de horror, esses homens também têm muita dificuldade de contar e procurar justiça, já que sabemos o quanto a postura social machista impede certos comportamentos masculinos.

Quantas vezes ainda ouvimos que “homens devem sofrer calados” e que uma história de vítima “é coisa de viado”, ou ainda que o homem é forte, jamais teria como sofrer abusos de mulheres – ou de outros homens. Mas isso acontece muito mais do que imaginamos. E ao contrário das mulheres, os estudos sobre violência com vítimas masculinas é ínfimo, uma pesquisa superficial no google pode demonstrar isso. Presos em seus papéis sociais, homens também sofrem violência calados e têm muita dificuldade em procura ajuda.

4. Violência e discussão de Gêneros

Entendo e acho muito importante essa onda de proteção as vítimas femininas de violência. Mas acredito que esse contraponto é sempre necessário em qualquer discussão, já que a violência não é exclusividade de um gênero. Sabemos que homens, mulheres, transexuais e homossexuais sofrem todo tipo de violência o tempo todo. Devemos incentivar as vítimas a denunciar e contar suas histórias, sempre. E não podemos congelar a imagem do agressor como alguém do sexo masculino. Como vimos, pessoas que tem uma imagem social de delicadeza e sensibilidade (mães, por exemplo) podem facilmente se encaixar no perfil de agressores, assim como os mais terríveis agressores já podem ter sido vítimas de terríveis violências.

 

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro.Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda razão. Não é que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.” – Fernando Pessoa

Médicos e Enfermeiras que punem para “ensinar”

Não é de hoje que escutamos todo tipo de história envolvendo pacientes, médicos e enfermeiros. Histórias sobre situações constrangedoras, horríveis e traumatizantes, mas que seguem sendo apenas histórias que beiram a fantasia e não a realidade. Não acreditamos muito nessas histórias porque ainda temos na nossa memória aquela imagem do profissional da saúde como alguém paternal, que está ali para cuidar e zelar do nosso bem estar. Para contrapor essa imagem quase santificada do médico e do enfermeiro, vamos pensar no complexo de Deus que ronda os hospitais e seus profissionais.

Lidar diretamente com a tensão de poder “salvar vidas” é algo que realmente mexe muito com a cabeça de uma pessoa. Imagine uma equipe de médicos e enfermeiros que vivem disso grande parte de suas vidas? Eles assistem ali na prática, pessoas que entram com uma série de problemas e que algum tempo depois saem “curadas”. Por mais pé no chão que essa equipe seja, alguma coisa “lá dentro” fica mexida, diferente, sentindo que se é possível “salvar uma vida”, então pode-se tudo.

Mas, se analisarmos de perto, o médico foi treinado para isso (que chamamos de salvar vidas). Ele foi treinado para consertar órgãos, para detectar problemas biológicos e físicos antes que eles possam desligar o sistema que chamamos de corpo. Então o médico é apenas um técnico do nosso corpo. Ele sabe e é treinado para consertar o que deu errado, de forma que possamos continuar vivos. Sei que esse olhar pode parecer um tanto quanto cruel, até porque o corpo humano não é apenas uma máquina, mas proponho esse olhar parcial com um objetivo. O médico, no final das contas, não é Deus e não faz mágicas. Ele faz aquilo que aprendeu e foi treinado para fazer. As vezes isso funciona e as vezes não funciona e pessoas morrem.

Mas viver essa vida e essa posição de “salvar vidas” se torna um papel tão importante na vida desses profissionais que eles se esquecem que essas pessoas não são apenas corpos. Elas tem subjetividade, histórias, experiências e livre arbítrio. Muitas brigas acontecem nos hospitais, entre o que o médico acha melhor para o seu paciente e o que o paciente quer pra si. E tantas vezes o paciente não é ouvido, extamente porque o médico tem até mesmo o poder de desautorizar o desejo do paciente, dependendo de qual desejo for esse.

Por isso tem se tornado comum que médicos e enfermeiros, além de apenas cuidar dos problemas dos pacientes, tentem “ensinar” lições a seus pacientes. Mas eles faltaram na aula de Psicologia, e tentam aplicar punições sem nem ao menos saber como funciona esse procedimento na Psicologia Comportamental, por exemplo. E ai começam as histórias (e aposto que se você parar pra pensar, deve ter uma também, sua ou de alguém próximo):

Chorando em um hospital, agulhada pelas dores das contrações do parto, mulheres brasileiras ainda têm de ouvir maus-tratos verbais como: “Na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe. Por que tá chorando agora?“; ou “Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo“; ou ainda “Se gritar, eu paro agora o que estou fazendo e não te atendo mais“. (Reportagem completa aqui)

Quando o paciente tenta o suicidio, a gente maltrata mesmo. Fazemos tudo de uma forma que ele sinta muita dor e aprenda que esse tipo de coisa não se faz. Por que você sabe né, esses meninos são todos mimados, só querem chamar atenção e dar trabalho.”


Histórias como essas acontecem todos os dias pelos hospitais brasileiros. A equipe do hospital se coloca numa posição em que se permite tomar atitudes que “beneficiarão” os pacientes. Mas eles se esquecem que não foram treinados para isso. Sem entender e sem saber como agir corretamente, saem passando “corretivos”, punições, em situações que eles julgam de acordo apenas com o senso comum e com seus valores pessoais.

Para certos casos eles demoram propositalmente no atendimento – “deixa sofrer pra aprender” – ou atendem da forma mais agressiva e dolorida possível “pra lembrar bem que isso não deve ser feito porque tem conseqüências”, como se isso pudesse surtir algum efeito positivo para o paciente.

Que a equipe médica se coloca nessa posição, a gente já sabe. E também sabemos que o paciente aceita tudo isso calado, em geral por se sentir culpado. Essa situação se assemelha aos casos de abuso e agressão, em que a vítima se sujeita ao agressor, por medo e tantos outros sentimentos. Mas médicos e enfermeiros não têm esse direito, e têm o dever de tratar igualmente todas as pessoas que chegam ao seu consultório, sem julgar cada caso a partir de seus valores. E se acham isso difícil, que larguem a medicina.

Mas, numa sociedade que valoriza o complexo de Deus dos médicos, incentivando e apoiando a Lei do ato médico***, parece mesmo que cada vez mais incentivamos os médicos a atuar nessa posição de lei, punido aleatoriamente enquanto fechamos os olhos para esses maus tratos. Até o dia que isso acontecer com você ou com alguém da sua família.

Temos que prestar mais atenção ao poder que estamos dando aos profissionais da saúde. E se um corpo não é apenas uma máquina, devemos começar também a prestar atenção na formações que esses profissionais estão tendo, já que passam anos voltados apenas para o funcionamento do corpo e esquecem que não somos apenas uma massa de carne, temos subjetividade e desejos, e merecemos respeito.

Vamos continuar lutando para a inserção de profissionais da Psicologia nos hospital e na equipe médica, não apenas para atender os pacientes, mas também para dar apoio e suporte aos profissionais da saúde.

** Com essa quantidade de séries sobre médicos e hospitais, podemos ver situações como essas sendo reproduzidas com facilidade. Nesse episódio da série Private Practice, uma médica que atende uma paciente cega, acredita que ela não é capaz de cuidar de sua filha, por causa da cegueira, e faz de tudo para que ela perca a guarda da criança.

Blind Love – Private Practice

*** Não ao projeto do ato médico: http://www.naoaoatomedico.org.br/index/index.cfm

Todas as crianças são adotadas

Ao contrário do que a nossa sociedade vende, o amor de mãe não é natural. O amor de mãe não é um ato mágico que acontece durante a gravidez e/ou no parto do bebê. Esse amor, como qualquer outro, é cultivado e construído. É bom que possamos conversar um pouco sobre isso porque esse mito do amor materno pode dificultar muito a vida de centenas de mãe que não vivem essa história de conto de fadas. Muitas sofrem em silêncio por se sentirem excluídas dessa fantasia, pois não sentem que a “mágica” aconteceu com elas.

São tantas coisas que podem dar errado nesse começo do relacionamento entre uma mãe e seu bebê que incentivar essa culpa não ajuda em nada, só atrapalha esse momento inicial da maternagem. Vamos falar um pouco sobre esses mitos socialmente construídos.

Mito 1

A mãe tem nove meses para aprender a amar o seu filho. Assim, quando ele nasce, o amor já aconteceu. O pai tem que começar do zero.

Discussão

Durante os nove meses de gravidez a mãe não aprende a amar o seu filho, até porque ela ainda não o conhece. Tudo o que ela faz e aprende a fazer é construir uma imagem e uma fantasia do que será aquele bebê quando nascer. Quando consegue fazer isso (e nesse ponto o pai também já pode participar do mesmo processo), a mãe vai imaginando, se deixando fantasiar sobre como será essa criança. Então o que a mãe passa a amar, durante a gravidez, é uma imagem fantasiosa de um bebê que vai nascer e não o que de fato o bebê será. Isso é bom? Claro que é bom, porque a criança que nasce precisa disso que chamamos de subjetivação, ela precisa dessa atenção voltada pra ela, ainda que seja imaginarizada e fantasiada.

Dificuldades

Nem todas as mães conseguem viver a gravidez dessa forma. Algumas passam por grandes dificuldades na criação das fantasias sobre o bebê que elas nunca viram concretamente. Podemos perceber, por exemplo, algumas mães que têm facilidade em falar com a barriga, enquanto outras acham isso um pouco desconfortável, estranho. Outras mães sentem a gravidez como um processo invasivo, como se seu corpo não respondesse mais as suas ordens. Sentem muitas dores, muitos desconfortos que acabam não deixando espaço para que elas sintam algum prazer.

Conclusão

Se a mãe tem nove meses para aprender a amar o filho, o pai também têm. Mas esse filho que eles estão aprendendo a amar ainda é só uma construção, uma fantasia em relação ao bebê que ainda vai nascer. Isso não é ruim, mas não resolve a questão do amor materno como um movimento natural.

Mito 2

Assim que o bebê nasce, após o parto, o amor entre eles é automático. Basta a primeira troca de olhares e a mãe já ama seu bebê e o bebe já sabe que poderá contar com aquele amor pra sempre.

Discussão e Dificuldades

Se no mito anterior percebemos que o amor (quando é) construido durante a gravidez é para um bebê imaginário, será que esse amor se transfere para o bebê real automáticamente após o parto? Pode ser que sim, mas nem sempre. Muitas mães que tiveram o parto em boas condições conseguem olhar para o bebê que nasceu e enxergar tudo aquilo que elas sonharam durante a gestação. Ao longo dos primeiros meses, essas mães enfretarão as dificuldades do dia a dia, mas conseguirão olhar para seu bebê e energar tudo aquilo que sonharam para ele.

Mas para muitas não acontece dessa forma. Com as dores e os medos do parto, com as dificuldades iniciais nos cuidados em relação ao bebê, a maioria das mães não consegue transferir a imagem que tinham do seu bebê, durante a gravidez, para o bebê que nasceu. Envergonhadas e tristes, não encontram espaço para conversar sobre isso e podem se tornar até um pouco mecanicistas em seu contato com a criança, pois sabem quais são suas obrigações mas não conseguem sentir “o que deveriam sentir”. Aqui podem acontecer as depressões pós-parto (que são mais comuns do que imaginamos), as mortes de bebês e até mesmo a instalação de uma série de problemas e doenças no bebê (como o austismo).

Conclusão

O amor materno imediatamente após o parto não é automático. Ele pode acontecer de forma mais rápida e fácil para algumas mulheres, mas para muitas é um processo de construção assim como qualquer outro relacionamento. É a partir dali que a mãe vai começar a conhecer o seu bebê e pode ter ou não facilidade para subjetivar aquele ser que ela acabou de colocar no mundo. Crianças que nascem com deficiência, por exemplo, costumam trazer muitas dificuldades iniciais para essa construção do amor materno, já que os pais se vêem numa situação em que a criança não é aquilo que eles imaginaram e sonharam que seria. (Mas conversaremos sobre essa particularidade em outro texto).

Existem muitos mitos em relação a gravidez e a maternidade. Mas com esses dois podemos iniciar um dialógo sobre esse processo. Por que não existe um grávida correta. Cada mulher vive sua gravidez de forma peculiar e esse mito da gravidez perfeita só atrapalha as mães que vivem sua gravidez de outras maneiras. O mesm acontece com o amor materno. Ele pode ser construído de diversas maneiras, e seja qual fora, a única certeza que temos é que ele não é natural. Assim, podemos dizer que todas as crianças são adotadas, pois todas elas passarão pelo processo de construção e criação do seu lugar na família indepentente de terem sido concebidas biologicamente por eles ou por outros. O parto não garante amor e facilidades, isso é uma ilusão que construímos. (Falaremos disso em outro texto também.)

Falar desse assunto é delicado porque essa fantasia que se criou sobre o amor materno é tão forte que parece impossível ser desconstruída. Se fosse possível falar sobre o tema com mais franqueza e seriedade, muitas mães poderiam ter uma ajuda mais precisa e não sofreriam de uma série de problemas como a depressão pós parto. E as crianças, por sua vez, poderiam desenvolver menos doenças como o autismo e outras com falhas na inserção da linguagem. Mas o medo de admitir que essa construção na maternidade passa por dificuldades acaba por incentivar o silêncio e a falta de incentivo para mudanças e investimentos nessa área.

São pequenas coisas que podemos fazer e mudar, como acompanhamento psicológico obrigatório para a mãe durante o pré-natal (junto com a ida ao obstetra, por exemplo) e durante as primeiras idas ao pediatra. Durante esse momentos, a preocupação da saúde pública ainda parece estar apenas no corpo, no desenvolvimento biológico satisfatório. Sabemos o quanto é importante também a saúde psíquica, e um movimento de inserção da psicologia nesses setores e nesses momentos cruciais da relação mãe-bebe poderia fazer uma grande diferença na hora de atuar nos grandes problemas que assistimos acontecer. Mães que conseguem esse tipo de acompanhamento, por exemplo, relatam como conseguiram passar por dificuldades de forma menos dolorosa e solitária.

Para saber mais

Um amor conquistado: o mito do amor materno, ElisabethBadinter

A construção do amor materno na relação mãe-bebê: reflexões a partir da psicanálise, Cléa M. B. Lopes

O complexo da mãe morta: sobre os transtorno do amor na relação mãe-bebê, Issa Damous

A criança, sua doença e a mãe: um estudo sobre a função materna na constituição de sujeitos precocemente atingidos por doença ou deficiência, Leyla A. V. Falsetti

Amar, cuidar, subjetivar – implicações educacionais na primeira infância, Valéria R. Baptista

Ronaldo e o hipotireoidismo

Na manhã de ontem todo mundo viu ou escutou o anúncio da aposentadoria do Ronaldo. Escutaram também sobre o hipotireoidismo e as conseqüências dessa doença na vida do atleta. Mas algo parecia errado. Em menos de trinta minutos, médicos de todo Brasil colocavam na internet que a doença de Ronaldo não era totalmente responsável por aquilo que ele disse na entrevista. A partir dai as pessoas começaram a fazer reportagens sobre a doença e suas “verdadeiras” conseqüências, enquanto outros aproveitaram para tirar sarro do jogador pela “desculpinha esfarradapa” que ele deu.

Mas quando se trata de psiquê nem tudo é tão simples assim. Cada um acredita e atribui um sentido ao diagnóstico que recebe. E é por isso que a psicanálise é contra esses diagnósticos. Quando um médico fala as palavras mágicas: “você foi diagnosticado com X doença”, a partir dai a pessoa entende o que a sua mente quer. E ela vai criar uma fantasia, uma ficção dessa doença que não necessariamente vai caminhar junto com o que de fato a doença desenvolve como problemas.

Fora isso, o doente tende a escutar aquilo que lhe é conveniente (inconscientemente também), e sua carga de sofrimento em relação a doença será particular. Por isso nem todas as pessoas reagem do mesmo jeito a uma doença. Porque cada um escuta o diagnóstico de um jeito diferente e cada um vive esse diagnóstico de outro jeito completamente diferente também.

Atribuir sentido é algo que fazemos o tempo inteiro com as experiências que passamos e quando somos diagnosticados, começamos a atribuir sentido a doença também. Então, por algum motivo, pode ser que o Ronaldo realmente acredite que todos os problemas que ele teve foram pelo hipotireoidismo. Quem sabe que sentido ele deu para esse diagnóstico na sua vida? Assim como muitos, ele pode ter se deixado definir não por uma doença, mas por um diagnóstico dado em determinado momento de sua vida.

Com a explosão de novos diagnósticos de problemas mentais, cada vez mais as pessoas são diagnosticadas com problemas que as vezes nem existiam. Mas como foram “nomeadas” daquela forma, “vestem a roupa” da doença de uma forma tão profunda que passam a definir a vida e a si mesmos a partir daquele diagnóstico. Tudo passa a ser em função daquilo. Veja a Clara Averbuck com o seu “sou bipolar e minha filha também é”, ou mesma a Tulla Luana como seu “eu sou esquizofrênica”, e tantas outras pessoas que saem pela internet se definindo por seus diagnósticos. Criam uma vida, uma história baseada em um nome, um diagnóstico que possa explicar porque elas se sentem tão diferente de todo mundo e da sociedade em que vivem.

Para essas pessoas como Ronaldo talvez seja “mais fácil” (nada é fácil, mas não vamos nos aprofundar nisso agora) se identificar a partir de um sintoma porque é com ele que será possível justificar todas as estranhezas que sentem em relação ao mundo e que o mundo sente por ele. “Ah, eu sou bipolar, e é por isso que você me acha meio estranha. É por isso também que eu sempre fui meio esquisita”. E essa posição é “confortável” no sentido da mudança. O diagnóstico justifica uma situação e te permite não se preocupar em entendê-lo para mudar. Você se torna uma pessoa estática, presa ao nome que te deram.

Não se escondam atrás de um diagnóstico. Você não é só uma doença. E não desacreditem ou dêem risada de quem se apresenta a partir de uma doença: provavelmente a identidade da pessoa está tão atrelada a esse diagnóstico, que ela não consiga perceber. Por que uma pessoa pode ter uma doença qualquer, mas não necessariamente ela precisa se tornar apenas aquela doença.

Recomendações de Leitura – Janeiro

Muitas pessoas perguntam qual é a diferença entre Psicólogo, Psicoterapeuta, Psiquiatra e Psicanalista. Já comentei sobre isso aqui no meu blog, em outros textos. E também é possível encontrar por ai alguns textos e vídeos que explicam a diferença básica entre essas profissões. Pensando nesse tema, compartilho hoje com vocês um texto do Lucas Napoli sobre “O que um psicanalista faz?”. Nessa segunda parte do texto ele tenta explicar um pouco do que é o trabalho de uma análise.

O que um psicanalista faz? – Lucas Napoli

Outro dia comentei que quando os bebês nascem, o amor entre ele e sua mãe não acontece de forma automática. Ao contrário do que pensam, o amor materno e até mesmo a função materna não nascem no parto do bebê. Fiquei surpresa de perceber que a maior parte das pessoas nunca parou pra pensar nisso. É como se o momento do parto fosse mágico, cheio de fantasias e histórias de contos de fada. E no meio desse mito muitos pais sofrem por não sentir essa mágica acontecer em relação aos seus filhos: acontecem depressões, suicídios, homicídios e tudo que poderia ser de alguma forma amenizado se fosse trabalhado junto com os nove meses de pré-natal.

Pensando nisso, indico o texto do Vladimir Melo – “O ódio que a mãe sente do bebê” pra começarmos a pensar um pouco mais sobre esse tema tão polêmico.

O ódio que a mãe sente pelo bebê – Vladimir Melo

Agora vamos falar um pouco de Sexualidade. Uma notícia da semana passada me chamou atenção e convoco vocês à reflexão:

Personagens gays do cinema e da Tv são entregues a atores heterossexuais. Por que?

E se você já usou a frase: “Eu não tenho nada contra homossexuais, mas eles não precisam fazer essas coisas em público”, ou alguma parecida, esse texto é pra você:

“A defesa do indefensável: o caso do AI-5 gay ” – Paulo Cândido

Indicação de Leitura – Livro “Como se constitui o sujeito”, do Luciano Elia.

Boas Leituras!

Certas coisas nunca mudam

…A melhor herança que um pai pode deixar ao filho não é seu ouro, não é uma viagem à Disneylândia, ou sequer o esforço para pagá-la. É o limite da compreensão, um arbitrário, o cultivo de um silêncio necessário entre as gerações. Freud chamava-o de castração.” J.Forbes

Todo jovem acha que vai mudar o mundo e que vai fazer diferente dos pais, já que esses não tiveram coragem ou capacidade pra mudar e ser diferente. Alguns anos depois, quando se vêem seguindo os passos dos pais, no casamento, por exemplo, querem provar pra todo mundo que o casamento deles é diferente: é mais honesto, é mais comprometido e obviamente vai dar mais certo do que o dos pais. Quando os filhos nascem, mais uma vez o casal se vê unido contra o mundo, pra mostrar que é possível ter uma familia e educar crianças de um jeito melhor e mais efetivo do que foram criados…

O tempo passa, muita coisa muda, mas os conflitos entre gerações nunca mudam. Não mudam e não vão mudar tão cedo. É esse tal desejo de provar pra si mesmo que não é determinado pelo seu passado, pela sua carga familiar e de como é possivel criar um futuro novo, melhor e modelo para as proximas gerações. Acontece que o ciclo sempre vai se repetir.  Por que faz parte de nós esse desejo de ser singular, único e especial, diferente de tudo que já existiu. O que talvez nos falta entender é que podemos ser únicos sem negar nossa história e sem comprometer o nosso futuro.

“Não há relação humana mais fundamental que de filhos com pais e vice-versa. Fundamental e ambivalente: um filho ao mesmo tempo em que representa a continuidade, a prolongação da mãe, ou do pai, é também a sua diferença e o seu limite. É, paradoxalmente, a extrema proximidade e semelhança quem ao mesmo tempo melhor revela a diferença entre as pessoas, o que, para muitos, é insuportável.” J.Forbes

Feliz 2011!

A educação é responsabilidade de quem?

A responsabilidade na educação de uma criança é de quem? Família, Escola ou Estado? Pensando no que é melhor para a criança, é possível acontecer uma divisão de responsabilidade?

Essas questões têm se tornado cotidianas entre pais e educadores, preocupados com o futuro das crianças. Há um certo desconforto em todas os setores sobre a importância dessa responsabilidade e de como ela vem sendo divida. Os pais, por exemplo, se queixam de não ter mais autonomia para decidir o que é bom ou não para seus filhos. Ao mesmo tempo exigem que a escola e o Estado garantam uma educação que englobe desde regras de higiene à construção de subjetividade e identidade social. A escola, por outra lado, critica a falta de engajamento dos pais no dia-a-dia escolar da criança e se diz sobrecarregada pois, além de ensinar as disciplinas exigidas, ainda tem que ensinar temas sociais, leis, e ajudar diretamente na construção da identidade pessoal. Já o Estado exerce sua posição de Lei, aquele que tudo deve prover e tudo deve regulamentar, proteger e garantir. Como resultado dessa postura, por exemplo, assistimos ao surgimento de novas leis familiares que por vezes destituem família e escola e não conseguem garantir de fato o que propoem.

Enquanto essas questões se colocam tiramos o foco da criança e no que ela está vivendo. Quem sabe o que é melhor para ela? Será que essa discussão não mascara a questão da responsabilidade? Todos querendo apontar deveres pode ser um indício de que ninguém que ser responsável sozinho pelo sujeito que se constiuirá ou não a partir dessa infância. Mas isso não necessariamente é um problema. Vamos pensar mais sobre isso.

1. O lugar da família e a destituição subjetiva da função paterna

“Houve uma época em que os filhos eram produtores (…) Estamos na época em que um filho é, acima de tudo, um objeto de consumo emocional. (…) Quando se trata de objetos de consumo, a satisfação esperada tende a ser medida pelo custo – busca-se valor em dinheiro” Bauman (2004)

Observando o desenvolvimento social e a construção familiar, percebemos que muito mudou. Por muito tempo a educação das crianças era responsabilidade única de seus familiares. Elas só frequentavam os bancos escolares para um contato com a alfabetização e para a uma educação voltada a cognição, conteúdista. Era no contato com os adultos, por observação, que ela aprendia detalhes diversos sobre como deveria ser e se portar socialmente. (Ramos, 1992)

O filho, ao nascer, deveria se juntar aos seus familiares para somar ao trabalho, e por isso podiam ser tratados com dureza, pois esse era o tratamento comum dado a qualquer trabalhador. Os filhos, portanto, eram um bom investimento. Quanto mais, melhor. (Bauman, 2004)

Segundo Ramos (1992) foi somente a partir do século XVII que a criança deixou de ser misturada com os adultos e passou a ter uma educação voltada só para ela. E isso aconteceu num processo que envolveu escola e família. A mudança de paradigma foi acontecendo varagosamente, na medida em que passaram a ver na criança uma pessoa com necessidades próprias. Nesse momento, Bauman defende que as crianças passaram a ser vistas como um objeto de consumo e com muitas despesas atreladas. Objetos de consumo servem as necessidades, desejos ou impulsos do consumir, e os filhos estariam também nessa posição.

Se pararmos para analisar, ter filhos atualmente é uma das coisas mais caras que uma pessoa faz ao longo da vida. Bauman acrescenta a essa despesa outras necessidades que se colocam, como diminuição de ambições pessoais, sacrifício da carreira e até mesmo aceitar que alguém será dependente de você por um tempo indefinido. Tudo isso sendo irrevogável. Tomar consciência de tudo isso, segundo Bauman, pode ser uma experiencia traumática. E ai podemos apontar o começo da divisão desta responsabilidade. Por que os pais teriam que ter um peso tão grande sozinhos?

Por outro lado, Julien (2004) tentou traçar historicamente como os pais foram sendo retirados e ao mesmo tempo se retirarm de seu lugar de autoridade e modelo na educação de seus filhos. Para isso, aborda a distinção entre o que é público ou privado e como isso influencia na parentalidade. Essa distinção se torna mais clara a partir do sécuclo XX, quando o social, pela via política – de Estado, passa a avançar sobre o território familiar. Cada vez mais representantes sociais interferem na relação entre pais e filhos. O que isso denuncia é  uma caracteristica da modernidade de tratar os sujeitos como pessoas que não têm condições de se relacionar sem que existam regras, leis e normas. Portanto, uma criança não poderia ser deixada ao arbítrio dos pais. Assim, em nome do bem da criança aparece um terceiro social. Segundo Julien (2004) esse terceiro social aparece de diversas formas: o Estado, a escola, a psicóloga, o pediatra, enfim, circula. Eles aparecem com a pretensão de ajudar, salvar, colocar a seguranca e os interesses da criança em primeiro lugar. O aparecimento desse terceiro é possibilitada pela propria estrutura familiar que, com a modernidade, também está cada vez mais diferente e menos coesa.

Segundo Ramos (1992) cada vez mais os sujeitos se sentem incompletos e incapazes de cuidar de suas próprias questões familiares, buscando cada vez mais uma ajuda que vem de fora, para explicar e consertar o que estaria errado internamente. O processo de desresponsabilização subjetiva é central na sociedade moderna, e com isso as pessoas tendem a buscar fora uma terceira figura, este detentora da verdade e da ordem, para dar sentido aos problemas que passam em sua intimidade, de coro familiar e pessoal.

Assim, a parentalidade passa a depender abertamente do social, por intermédio de peritos chamados para dizer quais são os direitos da criança, e os deveres de seus cuidadores. (Julien, 2004) Assim, há uma questão que se coloca: se cada vez mais a parentalidade é pública, como ficam as relações familiares? Complicadas desde que a criança nasce. Os pais sao obrigados a reconhece-la legalmente, em troca de uma autoridade parental. Ai já começa o cruzamento da fronteira entre privado e público.  É uma dualidade que não tem lógicas similares, apesar de aparentemente terem o mesmo objetivo, que é o cuidado da criança.

Portanto, ao invés de responsabilizar somente uma ou duas pessoas pela educação de uma criança, essa responsabilidade foi dividida, delegada. Agora, a educação das crianças se tornava também responsabilidade do Estado e da escola. Assim, os pais não tem mais que escolher entre trabalho ou família. Eles podem continuar escolhendo suas individualidades, e delegar o cuidado familiar a terceiros, simbolizados prioritariamente pelo Estado e ela escola.

2. A escola

A sociedade atribui a escola a tarefa de passar os valores culturais, os conhecimentos instituídos por esta mesma sociedade para as novas gerações. Na posição de consumidores, eles pagam e cobram por um retorno. Essa postura pode colocar a escola em uma situação delicada já que educar é um processo complexo, que muitas vezes muda durante seu percurso e não necessariamente dá em retorno os alunos que os pais desejam ter. Em alguns momentos, educar socialmente é ir contra as aspirações e desejos aos próprios pais e esses estão ali presente para brigar, pois compraram um produto, e querem o resultado final. Exemplos de situações assim temos visto todos o dias nos jornais: alunos que maltratam professores, e são protegidos por seus pais, já que estes – no direito do consumidor e como pagadores – acham que a escola deve aceitar tudo que seus filhos fazem dentro dela; e muitos outros exemplos.

Mas a escola também tem sua parcela de culpa nesse caminho que escolheu. Como supostamente detentora do saber, cada vez mais excluiu os pais do processo de aprendizagem dos filhos, já que estes não tinham fomação pedagógica para tal. A Escola assumiu uma postura de única sapiencia sobre o que deve ou não ser ensinado , e quando esse processo de aprendizagem falha, por motivos diversos, tem pais ali prontos para cobrar e apontar erros. Entre tantos erros tomandos pela escola, observamos também como esta está se tornando ultrapassada, ao deixar de fora o avanço da tecnologia, o próprio saber que o aluno traz de sua vida pessoal e como pode usar tudo isso a seu favor.

A transmissão pedagógica se baseia em um modelo de comunicação simples, no qual o professor transmite um conhecimento e os alunos apreendem. Ela ainda está calcada em modelo de educação antiga, no qual aluno era tábula rasa e o professor detentor do saber. Os pais ficam de fora dessa equação. Portanto, quando falha no educar, ela culpa os pais – que supostamente não participam da educação dos filhos – que ela mesmo exlcuiu dessa processo. Culpa também a sociedade como um todo, as mudanças de paradigmas causadas pelas tecnologias, e não percebe que a mesmo arma usada para culpa a falha pode ser usada para avançar nos estudos.

3. O Estado

O Estado entra nesse círculo para garantir a ordem e o bem estar social. Ele vem assegurar que cada um exerça sua função: o dever dos pais, os direitos dos filhos, e também assegurar segurança, proteção e assistência a sociedade. Ou será que o:

“Estado, vêm pregar um controle generalizado,que invade a vida privada, com o pretexto de uma pretensa segurança justificada pelo bioterrorismo, a ampliação da religião em seu aspecto mais fundamentalista” (Quinet, 2009)

Segundo Lacan (Quinet, 2009), no discurso capitalista – que é o discurso que embasa a modernidade – não há espaço para a Heteridade.  Só ha espaço para uma lógica do “Um”, ao qual todos deveriam se sacrificar, e que todos são iguais, e devem obedecer ao Um.  A tendência é formar grupos, formar uma massa comandada por um lider, o Um completo, sem falta, um Pai que responderia a todas as interrogações e imporia todas as leis e regras.  Essa postura dá um conforto ao grupo, pois deixa o poder de decisão, a responsabilidade pessoal legado a Um outro, suposto inteiro e conhecedor do bem e do mal. Assim, a Estado se coloca nessa posição de Um, e passa a adentrar a instância privada, e, para o bem de todos, impõe regras e leis, e passa a dizer o que é certo e errado na instânca social e pessoal.

Para alguns, essa postura do Estado seria a salvação do sujeito de si mesmo. Para outros, o Estado está na posição de garantir no pessoal aquilo que individualmente as pessoas não conseguem garantir por si mesmas.  Mas como se definem conceitos tão subjetivos e multiplos? Como definir o que é bom para todas as crianças, quando pensamos no um, no sujeito psicanalitico, que sendo olhado em sua singularidade se torna tão difernte e tem necessidades diversas um do outro? Com que critério estabelecemos o que é melhor para todos, o que é ruim e o que deve ser incluído ou deixado de lado, em termos de educaçao?

4. Educa-se uma criança? Uma educação possível.

Melman (1994) aponta que o primeiro problema quando se fala de educação de crianças é o lugar no qual nos colocamos. Segundo o autor, cada um de nós recebeu um tipo de educação, e por isso já temos conceitos formados sobre o que é melhor ou não, o que funciona e o que não funciona. Assim, já começamos tentando educar nossas crianças deixando de lado a criança de hoje, e colocando as queixas e reinvidações da nossa educação em primeiro lugar.

A melhor educação talvez seja essa que fracassa. Melman (1994) faz essa afirmação, pois acredita que toda educação hoje tem a tendência a colocar o mesmo ponto de vista em todas as crianças, e tem a pretensão de formar cidadãos iguais. Partindo do ponto de vista do sujeito da psicanálise, um sujeito único, com direito de escolha, talvez faça mesmo parte da constiuição do sujeito viver contra e a favor da educação que recebeu, pelo resto de sua vida.

Melman acredita que o erro, em todos os setores está em tratar as crianças como papagaios, meros repetidores de um discurso familiar, escolar e social. Discurso esses que as crianças cada vez mais tem se recusado a repetir, e nós assistimos aos milhares de sintomas que aparecem todos os dias no âmbito escolar.

Os pais, na sua responsabilidade com o erro, se recusam a aceitar que seus filhos não aceitem o que eles esperam dele, e que o mesmo está autenticamente dividido em uma posição dialética. Eles se colocam na posição de analisar a educação que seus próprios pais tiveram e desejam retransmitir e recusar, se for o caso. Que saber os pais transmistem a seus filhos? Se a educação é vista como uma transmissão de saber, então este saber transmitido pelos pais, e pela escola é um saber fracassado, ultrapassado, pois vem de um posição ideal que obviamente nossos filhos percebem as falhas e fracassos. Melman acredita que essa é uma falha estrutural na chamada educação escolar, social e moral, e está no centro da discussão.

As crianças, apesar de muito novas, já sabem perceber todas as falhas e fracassos no nosso dicurso ideal, e os apontam o tempo todo, nos colocando frente a frente com aquilo que nos mesmos fracassamos em entender. Portanto, para Melman, uma grande dificuldade com as crianças hoje, é que elas nos jogam de volta o nosso próprio inconsciente, aquilo que não entendemos  e não queremos lidar.

Melman afirma que talvez essa seja a maior educação que podemos dar: a do encontro com o inconsciente e tudo que nele é estranho e não conseguimos lidar. É transmitir o nada, o Real, o vazio e a falta de sentido presente na estrutura da vida de um ser humano. Mas essa transmissão não é fácil, e só acontece via trauma, conflito.

Estou falando dos pais, mas essa educação vale também para a escola. É no conflito que a escola pode alcançar e educar as crianças, tirando-as da posição de objeto, e colocand0 -as na posição de sujeitos que vão ter que passar por conflitos e traumas para adultescer.

No final, a criança no meio de tudo isso virou produto. Ela nao é vista mais como sujeito individual e sim como uma coisa parte do rebanho, que vai continuar o ciclo social e do Estado e vai fazer a mesma coisa com seus filhos. Como retomar a responsabilizaçao dos sujeitos pais, do sujeito professor e da educaçao no Um a Um?

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