Na manhã de ontem todo mundo viu ou escutou o anúncio da aposentadoria do Ronaldo. Escutaram também sobre o hipotireoidismo e as conseqüências dessa doença na vida do atleta. Mas algo parecia errado. Em menos de trinta minutos, médicos de todo Brasil colocavam na internet que a doença de Ronaldo não era totalmente responsável por aquilo que ele disse na entrevista. A partir dai as pessoas começaram a fazer reportagens sobre a doença e suas “verdadeiras” conseqüências, enquanto outros aproveitaram para tirar sarro do jogador pela “desculpinha esfarradapa” que ele deu.

Mas quando se trata de psiquê nem tudo é tão simples assim. Cada um acredita e atribui um sentido ao diagnóstico que recebe. E é por isso que a psicanálise é contra esses diagnósticos. Quando um médico fala as palavras mágicas: “você foi diagnosticado com X doença”, a partir dai a pessoa entende o que a sua mente quer. E ela vai criar uma fantasia, uma ficção dessa doença que não necessariamente vai caminhar junto com o que de fato a doença desenvolve como problemas.

Fora isso, o doente tende a escutar aquilo que lhe é conveniente (inconscientemente também), e sua carga de sofrimento em relação a doença será particular. Por isso nem todas as pessoas reagem do mesmo jeito a uma doença. Porque cada um escuta o diagnóstico de um jeito diferente e cada um vive esse diagnóstico de outro jeito completamente diferente também.

Atribuir sentido é algo que fazemos o tempo inteiro com as experiências que passamos e quando somos diagnosticados, começamos a atribuir sentido a doença também. Então, por algum motivo, pode ser que o Ronaldo realmente acredite que todos os problemas que ele teve foram pelo hipotireoidismo. Quem sabe que sentido ele deu para esse diagnóstico na sua vida? Assim como muitos, ele pode ter se deixado definir não por uma doença, mas por um diagnóstico dado em determinado momento de sua vida.

Com a explosão de novos diagnósticos de problemas mentais, cada vez mais as pessoas são diagnosticadas com problemas que as vezes nem existiam. Mas como foram “nomeadas” daquela forma, “vestem a roupa” da doença de uma forma tão profunda que passam a definir a vida e a si mesmos a partir daquele diagnóstico. Tudo passa a ser em função daquilo. Veja a Clara Averbuck com o seu “sou bipolar e minha filha também é”, ou mesma a Tulla Luana como seu “eu sou esquizofrênica”, e tantas outras pessoas que saem pela internet se definindo por seus diagnósticos. Criam uma vida, uma história baseada em um nome, um diagnóstico que possa explicar porque elas se sentem tão diferente de todo mundo e da sociedade em que vivem.

Para essas pessoas como Ronaldo talvez seja “mais fácil” (nada é fácil, mas não vamos nos aprofundar nisso agora) se identificar a partir de um sintoma porque é com ele que será possível justificar todas as estranhezas que sentem em relação ao mundo e que o mundo sente por ele. “Ah, eu sou bipolar, e é por isso que você me acha meio estranha. É por isso também que eu sempre fui meio esquisita”. E essa posição é “confortável” no sentido da mudança. O diagnóstico justifica uma situação e te permite não se preocupar em entendê-lo para mudar. Você se torna uma pessoa estática, presa ao nome que te deram.

Não se escondam atrás de um diagnóstico. Você não é só uma doença. E não desacreditem ou dêem risada de quem se apresenta a partir de uma doença: provavelmente a identidade da pessoa está tão atrelada a esse diagnóstico, que ela não consiga perceber. Por que uma pessoa pode ter uma doença qualquer, mas não necessariamente ela precisa se tornar apenas aquela doença.