Categoria: Psicanálise (Page 9 of 13)

A Resistência

O mundo segue em frente, cada vez mais caótico. E os que nós, seres humanos, fazemos para dar conta de tudo? Tentamos nos conectar. Tentamos, com unhas e dentes, nos colar uns nos outros, na esperança de que isso não evite nosso desaparecimento no meio de tanto caos. Por que você acha que as redes sociais fazem tanto sucesso?
Com tanta coisa pipocando por ai, todo dia e toda hora, a sensação que temos é que vamos desaparecer. Percebemos nossa pequenez, nossa infimidade toda hora. Somos só mais um cliente que reclama do mau atendimento; só mais um @ no twitter; só mais um na fila do cinema; só mais um blog falando sobre algo supostamente interessante; só mais um beijo na boca de alguém na balada… sempre só mais um… Se somos assim tão irrelevantes, o tal grão de areia na praia, como fazer para se sentir algo mais, alguém coisa que vale a pena conviver?
A gente faz música, faz poema, faz podcast, faz blog, faz foto pelado para o #lingerieday… Vamos fazendo aqui e ali, e principalmente, vamos fazendo sintoma. Americano nunca gostou tanto de falar em distúrbio: distúrbio sexual, do aprendizado, do soluço, chega a ser ridículo… Mas o que não é nada ridículo nisso é a tentativa que vamos fazendo em ser algo, em inscrever, deixar uma marca que seja nesse caos todo. Nossos sintomas, nossos blogs estão ai para testemunhar um momento. Por que, no final de tudo, é isso que fazemos, nessas tentativas de se conectar, a gente testemunha tamanha confusão, interna e externa.
Então, por que ainda procurar um psicanalista com tudo isso acontecendo? Com twitter, com blog, com lugares pra falar dos sintomas, com redes sociais cheia de pessoas para escutar, compartilhar, dar pitaco, porque a psicanálise ainda seria relevante ?
“Hoje em dia, a Comunicação Social é espelho do grande mal-estar de nosso tempo, mal-estar esse que, grosso modo, pode ser definido como a angústia fundamental sobre a qual o ser humano se estrutura como sujeito e que é fruto da luta entre o chamado princípio do prazer (liberdade das pulsões) e o princípio de realidade (necessidade de freá-las).”
A gente se deixa levar por essa sensação de aconchego que esses meios nos trazem, mas somente isso não basta. E “como não se fascinar com os apelos da mídia? Há promessa de visibilidade (elemento sem dúvida fundamental para a constituição narcísica de nós humanos), e, quem sabe, a promessa de reconhecimento ( de um público amplo, mas não menos importante, reconhecimento entre seus próprios pares). Mas, não se pode esquecer, há também a oferta de que a presença na mídia terá como efeito a transmissão, para um público mais amplo, de idéias e informações que, em geral, estão restritas a um público muito menor.”
Nesse sentido, a psicanalise ainda é relevante, porque não precisamos continuar somente a testemunhar o caos. E também de nada nos adianta continuar denunciando, porque a denuncia nos coloca ainda como testemunhas. A Psicanálise está ai para lembrar que podemos, acima de tudo, resistir.
“Resistência, resistência, resistência – repetiu Antonio Negri em vários momentos de sua intervenção, ressaltando as vias pelas quais o sujeito poderá efetuar esse novo Renascimento, como aquele italiano há 500 anos: através da atualização de seu desejo. E não é mesmo isso o que a vida moderna, bem como a própria psicanálise, nos impo”
“O que é preciso reconhecer é que a imagem é simultaneamente o espelho da realidade e da fantasia. Cada imagem é assim a construção de uma nova realidade, que já não pode ser a realidade pura e perfeita desejada no controle seguro de nosso psiquismo. A Psicanálise é uma prática e um saber voltados para a compreensão dos movimentos e conflitos cotidianos das imagens que construímos de nós mesmos, nenhuma delas verdadeiramente real ou apenas fantasiosas. A imagem não é o “vilão” que oculta um verdadeiro conteúdo. A imagem não é ilusão. Mas também não é causa de desilusões.”

O mundo segue em frente, cada vez mais caótico. E os que nós fazemos para dar conta de tudo? Entre tantas coisas, tentamos nos conectar. Com unhas e dentes, tentamos nos colar uns nos outros, na esperança de que isso possa evitar nosso desaparecimento no meio de tanto caos. Por que você acha que as redes sociais fazem tanto sucesso?

Com tanta coisa pipocando por ai, todo dia e toda hora, a sensação que temos é que vamos desaparecer. Percebemos nossa pequenez e nossa infimidade toda hora. Somos só mais um cliente que reclama do péssimo atendimento; só mais um @ no twitter; só mais um na fila do cinema; só mais um blog falando sobre algo supostamente interessante; só mais um beijo na boca de alguém na balada… sempre só mais um… Se somos assim tão irrelevantes, o tal grão de areia na praia, como fazer para se sentir algo mais, alguém que vale a pena conviver e escutar?

A gente faz música, faz poema, faz podcast, faz blog, faz foto pelado para o #lingerieday… Vamos fazendo aqui e ali, e principalmente, vamos fazendo sintoma. Americano nunca gostou tanto de falar em distúrbio: distúrbio sexual, do aprendizado, do soluço, chega a ser ridículo… Mas o que não é nada ridículo nisso é a tentativa que vamos fazendo em ser algo, em inscrever, deixar uma marca que seja nesse caos todo. Nossos sintomas, nossos blogs estão ai para testemunhar um momento. Por que, no final de tudo, é isso que fazemos, nessas tentativas de se conectar, a gente testemunha tamanha confusão, interna e externa.

Então, por que ainda procurar um psicanalista com tudo isso acontecendo? Com twitter, com blog, com lugares pra falar dos sintomas, com redes sociais cheia de pessoas para escutar, compartilhar, dar pitaco, por que a psicanálise ainda seria relevante ?

“Hoje em dia, a Comunicação Social é espelho do grande mal-estar de nosso tempo, mal-estar esse que, grosso modo, pode ser definido como a angústia fundamental sobre a qual o ser humano se estrutura como sujeito e que é fruto da luta entre o chamado princípio do prazer (liberdade das pulsões) e o princípio de realidade (necessidade de freá-las)

A gente se deixa levar por essa sensação de aconchego que esses meios nos trazem, mas somente isso não basta. E  “como não se fascinar com os apelos da mídia? Há promessa de visibilidade (elemento sem dúvida fundamental para a constituição narcísica de nós humanos), e, quem sabe, a promessa de reconhecimento ( de um público amplo, mas não menos importante, reconhecimento entre seus próprios pares). Mas, não se pode esquecer, há também a oferta de que a presença na mídia terá como efeito a transmissão, para um público mais amplo, de idéias e informações que, em geral, estão restritas a um público muito menor.”

Nesse sentido, a psicanalise ainda é relevante, porque não precisamos continuar somente a testemunhar o caos. E também de nada nos adianta continuar denunciando, porque a denuncia nos coloca ainda como testemunhas. A psicanálise está ai para lembrar que podemos, acima de tudo, resistir.

“Resistência, resistência, resistência – repetiu Antonio Negri em vários momentos de sua intervenção, ressaltando as vias pelas quais o sujeito poderá efetuar esse novo Renascimento, como aquele italiano há 500 anos: através da atualização de seu desejo. E não é mesmo isso o que a vida moderna, bem como a própria psicanálise, nos impõe”

“O que é preciso reconhecer é que a imagem é simultaneamente o espelho da realidade e da fantasia. Cada imagem é assim a construção de uma nova realidade, que já não pode ser a realidade pura e perfeita desejada no controle seguro de nosso psiquismo. A Psicanálise é uma prática e um saber voltados para a compreensão dos movimentos e conflitos cotidianos das imagens que construímos de nós mesmos, nenhuma delas verdadeiramente real ou apenas fantasiosas. A imagem não é o “vilão” que oculta um verdadeiro conteúdo. A imagem não é ilusão. Mas também não é causa de desilusões.”

Citações daqui: A Psicanálise e as Mídias Sociais e A Imagem da Imagem

A formação e o currículo lattes

Eu já ia começar a gastar meu português para dizer tudo que acho sobre a máfia da academia, muito bem representada pelo currículo lattes, mas não vou. A algum tempo, influenciada pela postura da psicanálise lacaniana, me recuso a fazer parte desse meio. “Engordar” um currículo, com artigos que não dizem nem acrescentam nada, apresentações que não tem ouvintes nem discussão, enfim, todas as coisas que se exigem que um “acadêmico” faça pelo bem da pesquisa (???), via lattes, nunca fez e continua não fazendo nenhum sentido pra mim. Acredito que acaba sendo natural publicar artigos ou apresentar trabalhos quando já se está envolvido em alguma pesquisa, e podemos realmente contribuir com alguma coisa, mas não o inverso. Mas, nesse ponto, não ficamos preocupados se teremos certificados, ou se isso vai engordar ou não nosso currículo. O currículo devia ser conseqüência, e não um objetivo final em si mesmo.

Mas, enfim, eu comecei dizendo que não ia gastar meu português, porque alguém já o fez maravilhosamente. Faço minhas as palavras de Rafael Marinho, em um texto muito bem escrito, sobre o assunto.

“Os críticos dizem que o Lattes transforma todo o esforço intelectual dos pesquisadores em quantidade, em números, simplificando e até ridicularizando uma produção eminentemente qualitativa. Ocorre que no final do Lattes há uma tabela informando quantos artigos foram publicados, quantos livros ou capítulos de livros, de quantos congressos o fulano participou. Mas até aí nenhuma novidade, se você começou a ler este texto provavelmente já sabe o que é e como funciona o Currículo Lattes. A novidade é que um bom Lattes tem preço.”

(Cliquem no texto para continuar lendo)

Obs: Parece ridícula a crítica, quando falamos mal, mas estamos lá na academia com nossos lattes. Mas se tem uma coisa que aprendi a duras penas, é que sentar e criticar de fora não ajuda em nada. A gente tem que sujar as mãos para conseguir mudar alguma coisa.

A estranheza da Psicanálise

Já escrevi outros textos sobre a formação do analista, como este, mas o assunto sempre volta, principalmente nesses dias em que o Estado quer regulamentar a profissão dos Psicanalistas.

Sou contra, e não estou sozinha nessa luta. A população em geral não costuma entender o porquê, e acham que costumamos gostar do certo ar misterioso que envolve a psicanálise e tudo que deriva dela. Não é nada disso! Freud, lá longe, já comentava sobre a estranheza que a psicanálise causava nas pessoas! “Não ficaria surpreso em ouvir que a psicanálise, que se preocupa em revelar essas forças ocultas, tornou-se assim estranha para muitas pessoas por essa mesma razão”

Como saber quem é mesmo psicanalista e quem não é? Como é essa formação que não tem regras pré estabelecidas? Quem pode se dizer analista, se Lacan disse que os analistas se autorizam? Quais as garantias que tenho que vou ou não me tornar analista, se a formação não tem data de começo e fim?

Enfim, muitas perguntas como esse aparecem, tanto para as pessoas fora do meio psicanalítico, quando para estudantes que estão começando a se enveredar por esse caminho.

Não regulamentar a profissão tem seus lados positivos e negativos. O grande lado negativo, por exemplo, é que hoje temos um número muito grande de instituições e pessoas que se dizem psicanalistas, ou formadores de psicanalistas, e nem de perto o são. Mas, em dias de Google, dar uma pesquisada para descobrir quem são essas pessoas e essas instituições já ajuda. Pesquisar na plataforma Lattes também pode ajudar um pouco.

Estou falando tudo isso, e deixando mais perguntas do que  respostas, para apresentar o novo livro do Antonio Quinet, “A estranheza da Psicanálise, a escola de Lacan e seus analistas”.

Esse é o livro mais recente, de um série de livros que abordam questões fundamentais da psicanalise e da formação do analista, e vem discutir porque nao somos a favor de uma regulamentação da profissão, e porque esclhemos a causa analítica pelas mãos de J. Lacan.

Agora que a dica foi dada, deixo um gostinho do livros para vocês!

“Como nossa civilização atual, e consequentemente o seu mal-estar, advém das Torres Gêmeas, uma representando o capitalismo e a outra o discurso técnico-científico (…) A Escola não pode se deixar dominar pelas neurociências, pela industria farmacêutica, pela política dos resultados, pela lógica foraclusiva do mercado”

“Não há formação do analista, há formação de Inconsciente. Essa frase do Lacan remonta a impossibilidade de padronização generalizada de formação analítica para habilitar o analista à prática. O processo de formação analítica, que não deixa de existir, é necessariamente desregulamentado, pois só há formação individual, cuja responsabilidade cabe ao analista, e não tutela por parte de um grupo, Sociedade, Escola ou Estado. (…) A tendência a regulamentação está dentro da lógica atual da sociedade escópica, com a espionagem – a presença do olho do Outro, o Estado, por exemplo – e com o controle generalizados que invadem a vida privada, a pretexto de uma pretensa segurança justificada pelo bioterrorismo, e a ampliação da religião em seu aspecto mais fundamentalista. (…) A tendência a formar grupos, ou seja, uma massa comandada por um líder, é impulsionada pela negação da falta no Outro, fazendo o sujeito criar e acreditar em Um Outro sem falta personificado pelo ideal do eu, onde ele situa o líder, Um Pai, que responde a suas interrogações.”

Sexualidade e Reprodução

Ao nascer, não temos registro inconsciente da sexualidade. Vamos crescendo, e aprendendo sobre o nosso corpo. Aprendemos que temos órgão sexual feminino ou masculino. Mas isso não tem nada a ver com sexualidade. Não sabemos como vamos gostar de exercer nossa sexualidade e nem com quem.

A primeira coisa que os pais fazem, quando nasce um bebe, é sexualizar este bebê. Os pais acariciam, desejam, amam, abraçam, apertam… Enfim, tudo isso que se faz quando têm um filho recém nascido em casa. Ai, quando a coitada da criança vai crescendo, lá vão os pais para a segunda etapa do desenvolvimento sexual da criança: vão tentar dessexualizá-la. Aos poucos eles vão mostrando que ela não é a coisa mais importante do mundo, que não pode ser a coisinha mais querida da mamãe, e que o mundo é duro, cruel, e ela não será necessariamente amada e desejada por quem é. Seus desejos não podem ser falados assim abertamente, de vez em quando ela vai ter que mentir e se encaixar nos padrões sociais, etc etc. E ainda tem gente que acha a infância o melhor tempo de todos! Criança sofre.

Sofre mais porque vai crescendo, e querem enfiar na cabeça dela que sexualidade está ligada ao órgão sexual que ela possui. Freud já dizia lá longe que não fomos feitos para reproduzir. Quem disse isso foi muito cruel com a gente. Somos seres sexuais, e nossa sexualidade não é feita só para reproduzir não. Pelo menos não psiquicamente falando. Então, nossa sexualidade vai depender de diversos fatores ao longo do nosso desenvolvimento. No final, podemos ser tanta coisa, gostar de tanta coisa, mas ainda temos que nos encaixar nos ditos que nos prendem a um sexo-reprodutivo, de macho-fêmea, reféns do nosso órgão sexual?

Está aberta a quinta edição do Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero. O prêmio é dirigido a estudantes de escolas de Ensino Médio e a universitários em nível de graduação, mestrado e doutorado e integra o Programa Mulher e Ciência. O Programa é desenvolvido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República em parceria com os Ministérios da Educação e Ciência e Tecnologia, com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Fundo das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM). Trata-se de um conjunto de ações que objetivam estimular a reflexão sobre as relações de gênero e as desigualdades derivadas da discriminação por sexo, raça, cor e orientação sexual na sociedade brasileira, seus impactos nas carreiras acadêmicas, e fomentar a produção de conhecimento na área.

Aqui está o site do evento desse ano, e aqui a relação dos textos ganhadores do ano passado. R$8 mil reais ganha o texto escolhido. Mais detalhes no site.

Direto do quadrado

O mundo contemporâneo é feito de pessoas atrás de quadrados. Os quadrados são muitos, e cada vez aumentam mais. É a televisão, o computador, os vídeo games, notebooks, televisões maiores ainda, DVDs portáteis, celulares com tudo dentro…

O mundo atrás das caixas é um mundo aparentemente mais fácil. Quando estamos sentados em frente ao quadrado, não precisamos encarar a realidade de nossas vidas. Deixamos de fora do quadrado o que quisermos, e podemos ser qualquer coisa: protagonista de novela, galã de série de TV americana… Podemos esquecer que as contas estão vencendo e o dinheiro está faltando; que a esposa aparenta estar infeliz; que o marido tem passado tempo demais na rua; que os filhos andam tendo problema na escola; que um filho é esquisito e não me reconheço nele; que o trabalho de todo dia em nada tem a ver com o que planejamos pra nossa vida; que passamos ano após ano sem conseguir sair do nosso aprisionamento rotineiro, seja lá qual for.

Quando estamos atrás do quadrado, tudo isso se vai, mesmo que temporariamente. Na internet podemos nos mostrar fortes, podemos perder tempo com grandes questões existenciais ou da moda; mostrar o quanto somos intelectuais, nerds, gostosas, desejáveis. Mesmo que estejamos sentados ali pra esquecer um pouco do carro que está velho, do aluguel atrasado, da viagem que nunca será realizada.

Outras pessoas também usam o quadrado pra se sentir parte de algo, e por isso passam horas escrevendo sobre como são infelizes, míseros e deprimidos com a vida. E enfatizam a culpa do mundo e da sociedade “lá fora”, e como não se pode fazer nada.

Passamos o dia ou a maior parte dele atrás dos quadrados. Assistimos a beleza do mundo através de uma TV, gritamos a nossa raiva de nós mesmos para o primeiro que falar uma besteira no twitter; olhamos fotos pornográficas para não esquecer que somos seres desejantes. Comentamos a última chuva em SP, a última fofoca das celebridades, e assim vamos preenchendo nosso tempo com amenidades. Tudo pra tamponar algo que nos falta. Se não preencheremos nosso tempo com Gmail, Google Reader, Wave, Twitter, blogs, teríamos tempo demais para pensar naquilo que nos incomoda. Ficaríamos muito tempo contemplando a nossa falta, aquilo que um dia pensamos ter, mas não existe. Tudo aquilo que não temos coragem de mudar, porque está arraigado demais em quem somos. Tudo aquilo que faz doer a alma, que faz pensar qual o sentido da vida.

A internet veio preencher um vazio que incomodava demais. É como uma droga, só tampona a falta enquanto faz efeito, então queremos estar drogados o tempo todo pra não ter que lidar com que somos sem ela. O mesmo para internet. A gente cria um personagem dentro do quadrado, e ele nos permite sem menos do que somos, e isso não necessariamente é ruim. O simples ato de desligar o quadrado, levantar da cadeira as vezes parece uma coisa tão difícil…

Muitos achavam e acham que a psicanálise tende a levar o sujeito a resignação. Pensa bem: se tudo que a análise pode fazer por você, é fazê-lo se aceitar como um ser castrado, que o sintoma não tem cura, e tudo que podemos fazer é aprender a se rearranjar com tudo isso na vida, pra que raios a pessoa precisa do analista e da psicanálise? Não parece que levamos para o final de análise um sujeito resignado?

Isso é exatamente o que grande parte dos lacanianos quer mostrar que não. Sim, tudo isso é verdade: nunca seremos completos; sim, somos castrados; nunca nos livraremos de um sintoma; mas nada disso significa que seremos infelizes, ferrados e mal pagos. No final, tudo que a psicanálise quer é que o sujeito possa ser feliz, que o sujeito não leve a vida tão sofrida. Não é uma ilusão de felicidade dos contos de fada, onde tudo é perfeito. É possível ser feliz na nossa realidade, com castração, sintoma e tudo mais. Podemos sair do nosso ciclo de repetição sintomática. Como? Bom, se fosse fácil assim dar essa resposta, eu estaria escrevendo um livro de auto-ajuda e provavelmente já ia estaria rica, hahahah…. Deixo essa questão para sua reflexão pessoal. Ou para sua análise pessoal.

O diferente que incomoda

cavalo ideal

O imperativo de gozo da nossa sociedade capitalista é um dos maiores causadores do nosso sofrimento “contemporâneo” (se é que há algo de contemporâneo nisso). Você deve comer tudo que se vende nos melhores restaurantes, andar no melhor carro, ter os melhores aparelhos eletrônicos que te fazem passar o dia sentado numa cadeira e depois ainda têm que ser magros como as modelos anoréxicas da tv. Querem te fazer acreditar que vê pode um dia ser um cavalo, mas a verdade é que isso nunca vai acontecer. Somos diferentes.

Indicação de Leitura

Da sexualização das meninas

“.: Há este livro chamado Senhorita Else, escrito por Arthur Schnitzler e publicado em 1924. Não é um romance, exatamente, pois sua forma condensada o aproxima mais da novela. Trata-se de um relato, em primeira pessoa, de uma jovem, Else, que está numa espécie de hotel (ou colônia de férias, já não me lembro dos detalhes), onde se reúne a alta burguesia austríaca, e recebe uma carta de seus pais com um pedido e algumas instruções. Seu pai está falido e precisa de dinheiro, e cabe a ela recorrer a um homem rico, conhecido de seu pai. Else obedece, procura o homem, e ele impõe uma condição: que ela se mostre nua para ele. Estou prestes a contar o final: ela aceita, porque se vê completamente sem saída, com o futuro da família nas mãos, e entre o êxtase, a raiva, o desespero, ela vai salão de festas, onde estão todos – inclusive seu "salvador" – , vestida apenas com um casaco de peles, e despe-se. Escândalo, susto, horror…”

Continue lendo aqui.

O destino está escrito?

O destino é um dos temas centrais do filme Slumdog Millionaire. Nele, desenvolve-se a idéia de que estamos marcados por um destino, que guia nos ações baseado em um futuro que já está escrito, predestinado. Tudo que “escolhemos” fazer, na verdade não seriam escolhas, seriam, na verdade, seguir o caminho do destino que está traçado para nós.

Em Lost, na última temporada que foi ao ar, fica a grande questão: será possível mudar o futuro, ou tudo que os personagens decidem fazer de formas diferentes, na verdade seria fazer exatamente o que está previsto?

No dia-a-dia na clínica, somos apresentados a questão do destino diversas vezes: será que os sujeitos que recebemos no consultório estão destinados a ser sempre errantes, sempre prisioneiros de seus sintomas, ou podem mudar? Existe mudança, ou estamos trilhando um caminho já marcado, traçado pelas nossas decisões e experiências passadas?

Quanto mais abordamos a questão do destino, menos respostas temos, mas temos muitas perguntas. E isso é bom, ter perguntas mostra que estamos caminhando. Mas uma questão muito defendida pela psicanálise é que somos sujeitos de nossa vida. Isso quer dizer que somos capazes de decidir o que fazer de nossa vida e de nós mesmos. Dessa forma, não existiria um futuro já traçado e pré-definido, e mesmo se aparentemente houvesse, nós poderíamos mudá-lo sempre que acharmos necessário. A verdade é que, na prática, as coisas acabam não funcionando desse jeito. Mas, na maioria das vezes não é por causa de um destino, e sim porque é muito difícil mudar. É mais fácil acreditar que nossa vida toma um rumo porque está escrito, do que admitir que tomamos uma decisão que foi errônea, e não tivemos coragem de mudar.

Perceber que estamos caminhando em direção a uma vida que não nos agrada  e mudar não é nada simples. Pede uma reestruturação interna grande, pede uma avaliação de nossos desejos, de quem somos, para onde vamos e o que queremos. Pede uma apropriação da vida, onde somos os únicos culpados pelos erros que cometemos e continuamos cometendo. E vamos dizer que esse é um peso que nem todo mundo gosta de carregar nas costas.

Claro que a gente pode dizer que tudo está traçado, e que a vida dá “sinais” disso o tempo todo. Podemos acreditar que tudo está nas mão de Deus, que os erros são culpa de nossos pais, ou da falta deles, enfim, motivos para justificar uma vida que caminha aparentemente por si só, temos muitos. Mas, e se exercitássemos a responsabilização? Se todo dia, a cada escolha, a cada erro, e a cada vitória, pensássemos qual a nossa responsabilidade em tudo isso, e o que estamos fazendo para que as coisas continuem exatamente da mesma forma, ou com mudanças? Será que somos escravos de um destino, de uma vida onde não somos sujeitos ativos, no qual podemos ser donos de nossas escolhas? Será mesmo?

Phoebe in Wonderland

Phoebe in Wonderland é um filme daqueles de pega a gente pelo pé. Você pensa que vai assistir um filme simples, e se impressiona com a multiplicidade e complexidade dos assuntos abordados de uma só vez.

O filme conta a história de uma menina diferente, e como o modo de ser dela toca cada uma das pessoas a sua volta: seus pais, sua irmã, seus amigos e professores na escola. Dizer isso é simplificar demais o que está por traz do filme. No fundo, o filme fala do complexo de édipo. Fala da dificuldade dos pais em lidar com a castração, com a educação dos filhos, e como lidar com a relação de casal. Fala também de educação, da dificuldade em inserir as pessoas diferentes no meio social e escolar.

Enquanto uma mãe e um pai tentam desesperadamente entender porque sua filha é diferente, e que culpa eles tem nisso, também tentam ajudá-la na sua interação escolar, e tentam resolver as questões de casal entre eles. Assistam!

 

 

…

“ – BEM-VINDOS

– A próxima regra é: "’Jenny Bom Trabalho’ faz perguntas só quando for a hora de fazer perguntas".

– Como saberemos quando é a hora de fazer perguntas?

– O que acabei de dizer sobre fazer perguntas?

– Mas…

– Pode perguntar quando puder fazer perguntas quando for a hora de fazer perguntas.

– Hein?

– Nessa sala de aula, temos algumas regras. São as mesmas regras que tivemos ano passado.

– Isso é uma pergunta?

– Turma, qual é a regra sobre fazer perguntas?

– O que sabemos sobre ‘Jenny Bom Trabalho’?

– Ela merece uma morte lenta e dolorosa.”

…

 

“ – Se você quiser voltar ao trabalho, posso terminar aqui. Quanto ao que eu disse… No jantar.

– Não temos conversado, não de verdade.

– Me desculpe.

– Converse com ela.

– Eu conversei. E tenho conversado, e ela diz que está bem, mas eu não acho.

– O que você disse, aquelas palavras…

– Eu sei.

– Não quer conversar comigo agora.

– Peter, eu estou irritada, muito irritada.

– Entendo.

– É, estou irritada por você ter dito aquilo. Estou irritada porque você a magoou. Deus, eu só… Estou irritada porque eu queria que ela fosse diferente, e estou irritada porque ela é diferente. Estou irritada porque ela age daquele jeito, porque ela é infeliz, e eu sei porque ela é infeliz e eu não consigo fazê-la feliz, mas aquela professora
esquisita consegue.  E estou irritada por me culpar do jeito que ela age. Estou irritada porque penso em mães apenas como mães, e estou irritada por me importar se sou uma boa mãe. Estou irritada porque quando você disse aquilo para ela, eu sei que você estava certo. Eu não agüentaria outra como ela. Estou irritada porque não estou escrevendo, e estou irritada porque um dia terei 70 anos e só terei minhas filhas porque eu não terei mais nada porque eu não fiz nada importante. E estou irritada porque,
às vezes… não tenho medo de nada disso porque as minhas filhas me mantêm viva. Elas me mantêm viva.”

…

 

“ – Pensei que eu pudesse ajudá-la. Pensei que era eu, porque… Eu… não… Por favor, me deixe terminar, por favor. Porque eu me aborreço com elas… e fico com raiva, com tanta raiva, que tenho vontade de sacudi-las.

– E você acha que é a única mãe que se sente dessa forma? Nada disso é culpa sua. Mas por que você não me disse?

– Porque eu não queria que ela fosse…

– O quê?

– Inferior.”

As estruturas infantis

De forma bem generalizada, dividimos as estruturas psíquicas a partir da castração, em Neurose, Psicose e Perversão. Todos somos algum desses, e o que chamamos de normal seria a Neurose. Todos então, no mínimo, somos neuróticos. Cada estrutura dessa tem seus subtipos, por exemplo no caso da neurose os obsessivos, no caso da psicose os esquizofrênicos, enfim, cada uma dessas estruturas tem suas características e subdivisões, que não vou me apegar aqui pois só um delas daria um livro.

A questão de hoje caminha pra outro lado, que são as estruturas na infância, e como a gente se torna uma coisa ou outra. Alguns autores defendem que somos uma estrutura dessas, e não existe cura pra isso. Seremos parte da estrutura durante todo vida, e o trabalho de análise seria aprender a não entrar em crise, ou lidar com as crises, cada um em sua estrutura, aprendendo a lidar com as dificuldades de cada uma delas ao longo da vida. Outro autores defendem que somos prioritariamente parte de uma estrutura, mas podemos também transitar por outras ao longo da vida, já que somos sujeitos, e por isso não estaríamos presos a estruturas assim tão enfaticamente, pois cada sujeito tem sua singularidade mesmo dentro de uma estrutura. Lacan acredita ser importante saber de qual estrutura o sujeito transita, para efeitos da análise, como proceder, como trabalhar, como ajudar.

Mas em uma coisa todos concordam: a estruturação do sujeito ocorre na infância. É nessa fase que a criança se encaminha para a neurose, para a psicose ou para a perversão. Muitos estudos se desenvolveram a partir disso, pensando em como os pais, o ambiente e a própria criança influenciam no desenvolvimento da estrutura. Alguns autores defendem que, uma vez que a criança tem características de psicose não deflagrada (fora de surto) ela não poderia mais ser neurótica. Outros defendem que se a infância é a fase de estruturação, então sim, é possível perceber certas caraterísticas, e mudar N coisas para que a criança mude de rumo.

Venho estudando a muito tempo sobre a questão das estruturas psicológicas na infância. Sempre me perguntei, assim como muitos autores, se uma vez que a criança é um sujeito em formação, se seria possível detectar psicoses não deflagradas, e mudar essa história para o futuro da criança, ajudando a se tornar neurótica, porque já é sabido que uma vez formado, não há como mudar o caminho. Se o adulto é esquizofrênico, por exemplo, não há como curá-lo, o que dá é pra ajudá-lo a lidar melhor com isso e com o mundo. Mas se é possível mudar isso ainda enquanto criança, porque não tentar? Mas será possível detectar comportamentos, atitudes psíquicas que mostrem em que estrutura a criança está caminhando?

Os autores em geral concordam que é possível perceber sim. É possível perceber as crianças diferentes, que tem dificuldades diversas de relacionamento, com o mundo, psíquicas ou não. Mas discordam na possibilidade de mudar essas características enquanto elas ainda não estão formadas em definitivo.

Muitas pesquisas vêm sendo feitas, mostrando que muitas histórias mudaram sim. Muitos sujeitos mudaram o caminho de formação de sua estrutura, uma vez feito um trabalho analítico em conjunto com os pais. No livro As psicoses não-decididas da infância: um estudo psicanalítico de Leda Mariza Fischer Bernardino, a autora trabalha exatamente dessa questão, como a criança vai se tornar uma coisa ou outra. Isso não depende só dela. Na primeira infância, depende muito de como ela é, olhada, cuidada e tratada pelos pais, principalmente pela mãe. O pai tem grande importância também no momento da passagem pelo complexo de édipo. Todos esses momentos vão definindo a estrutura da criança, e por isso é possível estarmos atentos a esses momentos, para poder agir ai,  de modo a facilitar a relação da criança com esses pais, consigo mesma e com o mundo. “Assim, uma criança não é sem o que é dito dela, não sendo somente o que é dito dela. O que é dito da criança comporta muito mais do que o que se quer dizer. O que é dito dela também diz menos do que ela é.

Se a psicose na infância ainda é um tempo em definição,  se é só uma potencialidade do que pode vir a ser, ela poderia ser curável. (Tenho muito cuidado quando uso a palavra cura em psicanálise, porque a cura aqui usada em nada tem a ver com a cura medica, biológica. Mas em um outro sentido muito distante disso. Para entender melhor sobre o que é cura em psicanálise, leiam A psicanálise cura? de Roberto Girola.)

Para Lacan, a psicose se caracteriza pela inscrição do paterno, o-Nome-do-Pai. Assim, essa não inscrição seria então definitiva? Lacan também fala da existência das psicoses não deflagradas, que seria o estado anterior a uma psicose propriamente dita. Ele chega a dizer que só é possível perceber uma psicose não deflagrada após um surto psicótico, o que já seria tarde. Assim os psicanalistas lacanianos se dividem basicamente em dois grupos: os que acreditam que a psicose não tem cura, seja ela percebida na infância ou na fase adulta; e há os que acreditam que na analise da criança, ainda em fase de desenvolvimento e ainda passando pela castração, é possível mudar essa história.

Eu particularmenre acho que é possível mudar o rumo da história da criança em formaçao sim. E você?


Para ler também: Considerações sobre as especificidades na estruturação da psicose do adulto e da infância de Shnaider Alves Santos

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