O mundo contemporâneo é feito de pessoas atrás de quadrados. Os quadrados são muitos, e cada vez aumentam mais. É a televisão, o computador, os vídeo games, notebooks, televisões maiores ainda, DVDs portáteis, celulares com tudo dentro…

O mundo atrás das caixas é um mundo aparentemente mais fácil. Quando estamos sentados em frente ao quadrado, não precisamos encarar a realidade de nossas vidas. Deixamos de fora do quadrado o que quisermos, e podemos ser qualquer coisa: protagonista de novela, galã de série de TV americana… Podemos esquecer que as contas estão vencendo e o dinheiro está faltando; que a esposa aparenta estar infeliz; que o marido tem passado tempo demais na rua; que os filhos andam tendo problema na escola; que um filho é esquisito e não me reconheço nele; que o trabalho de todo dia em nada tem a ver com o que planejamos pra nossa vida; que passamos ano após ano sem conseguir sair do nosso aprisionamento rotineiro, seja lá qual for.

Quando estamos atrás do quadrado, tudo isso se vai, mesmo que temporariamente. Na internet podemos nos mostrar fortes, podemos perder tempo com grandes questões existenciais ou da moda; mostrar o quanto somos intelectuais, nerds, gostosas, desejáveis. Mesmo que estejamos sentados ali pra esquecer um pouco do carro que está velho, do aluguel atrasado, da viagem que nunca será realizada.

Outras pessoas também usam o quadrado pra se sentir parte de algo, e por isso passam horas escrevendo sobre como são infelizes, míseros e deprimidos com a vida. E enfatizam a culpa do mundo e da sociedade “lá fora”, e como não se pode fazer nada.

Passamos o dia ou a maior parte dele atrás dos quadrados. Assistimos a beleza do mundo através de uma TV, gritamos a nossa raiva de nós mesmos para o primeiro que falar uma besteira no twitter; olhamos fotos pornográficas para não esquecer que somos seres desejantes. Comentamos a última chuva em SP, a última fofoca das celebridades, e assim vamos preenchendo nosso tempo com amenidades. Tudo pra tamponar algo que nos falta. Se não preencheremos nosso tempo com Gmail, Google Reader, Wave, Twitter, blogs, teríamos tempo demais para pensar naquilo que nos incomoda. Ficaríamos muito tempo contemplando a nossa falta, aquilo que um dia pensamos ter, mas não existe. Tudo aquilo que não temos coragem de mudar, porque está arraigado demais em quem somos. Tudo aquilo que faz doer a alma, que faz pensar qual o sentido da vida.

A internet veio preencher um vazio que incomodava demais. É como uma droga, só tampona a falta enquanto faz efeito, então queremos estar drogados o tempo todo pra não ter que lidar com que somos sem ela. O mesmo para internet. A gente cria um personagem dentro do quadrado, e ele nos permite sem menos do que somos, e isso não necessariamente é ruim. O simples ato de desligar o quadrado, levantar da cadeira as vezes parece uma coisa tão difícil…

Muitos achavam e acham que a psicanálise tende a levar o sujeito a resignação. Pensa bem: se tudo que a análise pode fazer por você, é fazê-lo se aceitar como um ser castrado, que o sintoma não tem cura, e tudo que podemos fazer é aprender a se rearranjar com tudo isso na vida, pra que raios a pessoa precisa do analista e da psicanálise? Não parece que levamos para o final de análise um sujeito resignado?

Isso é exatamente o que grande parte dos lacanianos quer mostrar que não. Sim, tudo isso é verdade: nunca seremos completos; sim, somos castrados; nunca nos livraremos de um sintoma; mas nada disso significa que seremos infelizes, ferrados e mal pagos. No final, tudo que a psicanálise quer é que o sujeito possa ser feliz, que o sujeito não leve a vida tão sofrida. Não é uma ilusão de felicidade dos contos de fada, onde tudo é perfeito. É possível ser feliz na nossa realidade, com castração, sintoma e tudo mais. Podemos sair do nosso ciclo de repetição sintomática. Como? Bom, se fosse fácil assim dar essa resposta, eu estaria escrevendo um livro de auto-ajuda e provavelmente já ia estaria rica, hahahah…. Deixo essa questão para sua reflexão pessoal. Ou para sua análise pessoal.