Aline Accioly Sieiro - Psicanalista

As estruturas infantis

De forma bem generalizada, dividimos as estruturas psíquicas a partir da castração, em Neurose, Psicose e Perversão. Todos somos algum desses, e o que chamamos de normal seria a Neurose. Todos então, no mínimo, somos neuróticos. Cada estrutura dessa tem seus subtipos, por exemplo no caso da neurose os obsessivos, no caso da psicose os esquizofrênicos, enfim, cada uma dessas estruturas tem suas características e subdivisões, que não vou me apegar aqui pois só um delas daria um livro.

A questão de hoje caminha pra outro lado, que são as estruturas na infância, e como a gente se torna uma coisa ou outra. Alguns autores defendem que somos uma estrutura dessas, e não existe cura pra isso. Seremos parte da estrutura durante todo vida, e o trabalho de análise seria aprender a não entrar em crise, ou lidar com as crises, cada um em sua estrutura, aprendendo a lidar com as dificuldades de cada uma delas ao longo da vida. Outro autores defendem que somos prioritariamente parte de uma estrutura, mas podemos também transitar por outras ao longo da vida, já que somos sujeitos, e por isso não estaríamos presos a estruturas assim tão enfaticamente, pois cada sujeito tem sua singularidade mesmo dentro de uma estrutura. Lacan acredita ser importante saber de qual estrutura o sujeito transita, para efeitos da análise, como proceder, como trabalhar, como ajudar.

Mas em uma coisa todos concordam: a estruturação do sujeito ocorre na infância. É nessa fase que a criança se encaminha para a neurose, para a psicose ou para a perversão. Muitos estudos se desenvolveram a partir disso, pensando em como os pais, o ambiente e a própria criança influenciam no desenvolvimento da estrutura. Alguns autores defendem que, uma vez que a criança tem características de psicose não deflagrada (fora de surto) ela não poderia mais ser neurótica. Outros defendem que se a infância é a fase de estruturação, então sim, é possível perceber certas caraterísticas, e mudar N coisas para que a criança mude de rumo.

Venho estudando a muito tempo sobre a questão das estruturas psicológicas na infância. Sempre me perguntei, assim como muitos autores, se uma vez que a criança é um sujeito em formação, se seria possível detectar psicoses não deflagradas, e mudar essa história para o futuro da criança, ajudando a se tornar neurótica, porque já é sabido que uma vez formado, não há como mudar o caminho. Se o adulto é esquizofrênico, por exemplo, não há como curá-lo, o que dá é pra ajudá-lo a lidar melhor com isso e com o mundo. Mas se é possível mudar isso ainda enquanto criança, porque não tentar? Mas será possível detectar comportamentos, atitudes psíquicas que mostrem em que estrutura a criança está caminhando?

Os autores em geral concordam que é possível perceber sim. É possível perceber as crianças diferentes, que tem dificuldades diversas de relacionamento, com o mundo, psíquicas ou não. Mas discordam na possibilidade de mudar essas características enquanto elas ainda não estão formadas em definitivo.

Muitas pesquisas vêm sendo feitas, mostrando que muitas histórias mudaram sim. Muitos sujeitos mudaram o caminho de formação de sua estrutura, uma vez feito um trabalho analítico em conjunto com os pais. No livro As psicoses não-decididas da infância: um estudo psicanalítico de Leda Mariza Fischer Bernardino, a autora trabalha exatamente dessa questão, como a criança vai se tornar uma coisa ou outra. Isso não depende só dela. Na primeira infância, depende muito de como ela é, olhada, cuidada e tratada pelos pais, principalmente pela mãe. O pai tem grande importância também no momento da passagem pelo complexo de édipo. Todos esses momentos vão definindo a estrutura da criança, e por isso é possível estarmos atentos a esses momentos, para poder agir ai,  de modo a facilitar a relação da criança com esses pais, consigo mesma e com o mundo. “Assim, uma criança não é sem o que é dito dela, não sendo somente o que é dito dela. O que é dito da criança comporta muito mais do que o que se quer dizer. O que é dito dela também diz menos do que ela é.

Se a psicose na infância ainda é um tempo em definição,  se é só uma potencialidade do que pode vir a ser, ela poderia ser curável. (Tenho muito cuidado quando uso a palavra cura em psicanálise, porque a cura aqui usada em nada tem a ver com a cura medica, biológica. Mas em um outro sentido muito distante disso. Para entender melhor sobre o que é cura em psicanálise, leiam A psicanálise cura? de Roberto Girola.)

Para Lacan, a psicose se caracteriza pela inscrição do paterno, o-Nome-do-Pai. Assim, essa não inscrição seria então definitiva? Lacan também fala da existência das psicoses não deflagradas, que seria o estado anterior a uma psicose propriamente dita. Ele chega a dizer que só é possível perceber uma psicose não deflagrada após um surto psicótico, o que já seria tarde. Assim os psicanalistas lacanianos se dividem basicamente em dois grupos: os que acreditam que a psicose não tem cura, seja ela percebida na infância ou na fase adulta; e há os que acreditam que na analise da criança, ainda em fase de desenvolvimento e ainda passando pela castração, é possível mudar essa história.

Eu particularmenre acho que é possível mudar o rumo da história da criança em formaçao sim. E você?


Para ler também: Considerações sobre as especificidades na estruturação da psicose do adulto e da infância de Shnaider Alves Santos

2 Comments

  1. Cenira de mello

    Olá!
    Gostei muito de tudo aqui:
    Tudo me interessa!
    Gostaria de saber. Cpmo podem os pais contribuir para com a educação da criança não se extruturar psicótica?
    Tem movimentos do pai e da mãe, avo que podem mudar o rumo da evolução?
    Abraço

    • Aline Accioly

      Essa é uma questão que ainda gera muita polêmicas.

      Há os que dizem que, uma vez estruturado, não há como mudar o caminho que a criança vai tomar. Há os que defendem que é possível sim mudar o curso de uma possível estruturação, já que, na verdade, a criança só tem semblantes de uma possível estrutura, mas ainda não é definitivo.

      Na minha opinião, acho que não devemos nos determinar tanto assim por nomenclaturas, pois desta forma podemos, desde cedo, cometer o erro de diminuir a criança a diagnósticos. Acredito que se começamos a perceber certos detalhes na criança, que nos levam a pensar em uma possível estrutura psicótica, devemos sim ficar em alerta e tentar mudar o que está em volta dela, e tentar descobrir/entender o porque a criança está se relacionando dessa forma com o mundo. Assim, quem sabe, poderemos tentar mudar a relação que ela possivelmente possa fazer com o mundo a sua volta.

      Para ler mais sobre isso, recomendo os estudos da autora Paula Aulagnier sobre o assunto. Ela tem livros e artigos que tratam exatamente dessa questão. Espero ter ajudado de alguma forma! Obrigada pelo comentário.

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