Aline Accioly Sieiro - Psicanalista

Feminilidade e Complexo de Édipo Feminino

O que quer uma mulher? Essa pergunta atravessa gerações e parece nunca obter uma resposta satisfatória. Mulheres e homens tentam ano após ano descobrir o que deseja uma mulher. Freud tentou esclarecer esse mistério discutindo sobre algumas questões femininas. No final de suas obras ele deixa a certeza de que o Édipo produz o homem, mas não produz a mulher. No entanto, manteve aberta a questão sobre o desejo feminino e deixou o caminho aberto para novas discussões, apontando, desde então, a complexidade do tema.

Lacan também discutiu a questão do feminino e polemizou com sua famosa declaração de que a mulher não existe. Entre outras coisas, Lacan dizia que  o feminino é um não-lugar, um vazio.

Considerando a vida prática, pode-se dizer que a mulher passa a vida tentando se identificar, se descobrir. Essa busca começa ainda cedo, quando a menina tenta encontrar respostas naquela que é a primeira mulher de sua vida, sua mãe. Desde cedo a relação mãe e filha já se mostra complexa, cheia de cobranças, de raiva, de culpa, de identificação, de competitividade, enfim, um eterno vínculo em busca de respostas.

Mas essa busca por identificação não para na infância. Em geral, a mulher continua sua busca, e tenta se encontrar em diversos momentos: no casamento, na maternidade, enfim, tenta se descobrir nos vários papéis que lhe são propostos. Mas quando isso acontece? Quando a mulher se identifica, se encontra? Será que esse processo de descobrimento chega efetivamente a ocorrer?

O tema sobre o feminino não é simples. Embora tenha dedicado um espaço em sua obra para discutir o tema, Freud fala do asunto como obscuro e de difícil acesso. Posteriormente, Lacan, ao estudar a obra freudiana, aborda a feminilidade, mas resgata e ressalta a importância da figura do pai, um recorte que não trata da perspectiva específica mãe-filha. Alguns autores acreditam que é nessa relação que estaria a chave para o entendimento do torna-se mulher.

Considerando que a constituição da feminilidade inicia-se logo na primeira infância, parece relevante estabelecer algumas implicações sobre o complexo de Édipo e o nascimento do ser menina. Estudando a sexualidade de ambos os sexos e sua representação infantil, Freud afirma que independente do sexo anatômico ao qual pertence, toda criança é sempre menino para a mãe, por constituir o substituto fálico para ela. A partir da análise do complexo de Édipo ele tenta esclarecer como ocorre a descoberta da sexualidade infantil para meninos e meninas. No início ele acreditava que crianças de ambos os sexos passavam pelo mesmo processo de descobrimento e interesse na sexualidade. Mais tarde, Freud descreve que a diferença entre homens e mulheres começa bem cedo, ainda na fase pré-edipiana.
Neste momento pré-edipico, o primeiro objeto de amor das crianças (meninos e meninas) é a mãe. Desta forma, ao chegar ao complexo de Édipo, o menino consegue tranquilamente estar ligado afetivamente ao sexo oposto enquanto tem rivalidade com o mesmo sexo. Já para a menina é diferente. Também seu primeiro objeto foi a mãe. Como encontra o caminho para o pai? Como e quando e porque se desliga da mãe?
Segundo Freud , essa é a primeira dificuldade no processo feminino e muitas mulheres poderiam nunca mudar de objeto, ficando presas em sua relação primeira com a mãe. A dificuldade em renunciar a mãe e renunciar seu lado masculino inclusive na sexualidade ativa pode dificultar uma identificação com o pai, e esse momento é necessário para o desenvolvimento da feminilidade. Assim, a primeira tarefa feminina seria o afastamento da mãe, a renuncia do amor por ela, e essa passagem de objeto nem sempre se realiza.
Nesta fase, para o menino, a figura do pai representa a identificação com alguém do seu sexo e ainda efetua a separação da mãe. Porém, isto não ocorre para a menina pois, ao olhar o pai, não se identifica com este e continua a procurar sua condição feminina. Desta forma, o Édipo soluciona a questão da busca de identidade masculina mas na feminina deixa um resto.
Freud aborda também o complexo de Édipo especificamente referindo-se ao momento da castração. O temor da castração, para o menino, resolve seu problema edípico, porém para a menina esse temor não é o suficiente para o abandono de sua posição e de seu objeto de amor, por isso ela permanece nesta questão por tempo indeterminado e quando se completa, é tardio e de modo incompleto. Freud percebe que o problema da castração do feminino não se tratava da falta do órgão e sim da falta de um símbolo do sexo feminino. Isso porque quando Freud introduz a lógica da castração, procurava entender além da já estudada falta do pênis como órgão externo e sim como essa falta imaginária afetaria o desenvolvimento da feminilidade.
Para entender melhor essa questão é importante falar da falta que a mãe sente por não ter/ser o falo. Lacan situa a mãe como primeira castradora da filha, pois não consegue fornecer para sua filha um símbolo de sua identificação feminina exatamente porque esse símbolo não existe. Desta forma, a menina, frustrada com a mãe, volta-se para o pai em busca de respostas que a mãe não conseguiu dar. Na seqüência, o pai segue nesta função castradora e por isso, para a menina, o momento da castração ocorre antes do Édipo e não é conseqüência dele, como ocorre para os meninos. O pai continua sua postura de castrador para a menina, pois confronta a filha com a perda de ser o falo da mãe.
Vivendo essa situação a menina teria vias de solução para resolver seu Édipo. Freud diz que uma delas seria a menina aceitar que sua demanda de um símbolo para sua identidade não pode ser atendida, e daí passar a aceitar e lidar com sua falta, como caminho para encontrar sua feminilidade. O que acontece é que para que isso aconteça é necessário que antes a mãe tenha aceitado a sua própria falta e consiga transmitir isso para sua filha, sem fazer dela seu falo.
Lacan afirma que o que diferencia homens e mulheres não é a anatomia dos sexos, e sim a forma como se submetem ao falo, ao significante do desejo, que ocorre nessa fase edípica e continua depois ao longo da vida. Para ele o ser aparece neste vazio, no falta-a-ser e é isso que o torna dependente de uma reposta, pois espera que o Outro lhe diga quem é e solucione sua questão identificatória. Portanto, a demanda da criança seria na verdade uma demanda de reposta sobre seu ser. Porém, em relação à mulher, além do falta-a-ser que a constitui ainda lhe falta um significante especifico feminino. Neste sentido, a menina busca por mais tempo ser o falo da mãe, em busca de respostas, e acredita que tendo uma mãe satisfeita será mais amada. Desta forma, a menina busca respostas na satisfação da mãe para que ela também consiga estar satisfeita. A menina pensa que do contrário, não haveria chances de encontrar alguém que lhe desse o que falta, alguém que a diga o que ela é.
Neste ponto está a importância do pai, que estrutura e funciona como lei, como superego, para que a menina forme sua estrutura. Assim, o futuro do desenvolvimento da menina também depende dele e de como ele agirá nesse processo.
Além do complexo de Édipo, ocorrem ainda na infância outras questões relacionadas ao desenvolvimento da feminilidade e da sexualidade da menina, tais como o conhecimento de seu próprio corpo. Falarei disso no próximo texto.

(Continua…)

Para ler mais sobre o assunto:

A relação mãe e filha

Édipo – O complexo do qual nenhuma criança escapa – J. Nasio

1 Comment

  1. Christine Kuhner

    Abordado de forma clara. Me ajudou bastante para o entendimento do complexo de Édipo na feminilidade.

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