Aline Accioly Sieiro - Psicanalista

A Educação e o Discurso Motivacional

Depois de alguns anos mergulhada no mundo da Psicanálise, decidi fazer uma pós em Psicopedagogia. Meu namoro com a Educação vem de longe, e decidi que era hora de colocar os pés nessa área (oficialmente, porque eu já vinha fazendo algumas coisinhas por lá). Qual não foi minha surpresa por perceber, no contato com educadores e pedagogos, que a educação está tomada pelo discurso motivacional.

Você ai, que acha o discurso motivacional legal, e perde seu dias vendo vídeos no Yotube ou mandando mensagens em Power Point sobre o assunto: é hora de pensar criticamente, por isso te proponho essa leitura.

Muito se fala sobre a crise da educação, e pelo que parece, a educação sempre esteve em crise. Da fala dos professores, o que se escuta é um discurso ora de vítima, ora de nostalgia. E as reclamações que escutamos são:

– O professor perdeu seu lugar de autoridade. Antes o aluno tinha medo e respeitava. Agora trata o professor como um igual.

– A sociedade capitalista mudou o modo como as crianças vêem o mundo, e com isso ninguém mais quer saber de estudar, ficar sentado numa sala, tudo que eles querem é computador, internet, tecnologia.

– A família não é mais tradicional, se desestruturou, os pais estão perdidos, não sabem impor regras, negociam com filho a ida pra escola em troca de compensações e presentes.

– O Estado não garante a escola os recursos que ela necessita para o dia a dia escolar. Paga mal os professores, que ficam desmotivados, e cada vez menos querem melhorar seus trabalho.

Com tudo isso acontecendo, os professores, perdidos no meio desse tiroteio, começaram a se apegar com unhas e dentes naquilo que eles tinham acesso mais facilmente: o discurso motivacional.

A prática do discurso motivacional ficou famosa em grandes empresas, e ainda é o lugar onde reina soberana. Na busca de aumentar a produção, grandes empresários criaram áreas de recursos humanos, dentro de suas empresas, preocupadas em garantir o bem estar de seus funcionários, pois, com estes felizes e motivados, os lucros e a produção da empresa estavam muito bem garantidos. O objetivo do discurso motivacional era enfatizar que as dificuldades sempre estão presentes, mas temos que focar é no trabalho, pois o trabalho nos eleva e nos faz pessoas melhores.

Aos poucos esse discurso foi saindo das empresas, e, caminhando junto com a auto-ajuda, foi ganhando espaço nas livrarias, nas grandes mídias e na internet. Muitos cursos foram criados, especialmente o de imersão: as pessoas passam um final de semana, que segundo elas é inesquecível e capaz de mudar todo o rumo de suas vidas. Lá elas falam coisas que nunca pensaram, choram, fazem amigos pra toda vida. E aquilo dura alguns meses, que é o momento de refazer o curso e levar amigos juntos. Alias, outra coisa importante do discurso motivacional e que ele precisa sempre de reciclagem. De tempos em tempos você tem que refazer os cursos, assistir novamente as palestras, escutar de novo os vídeos na internet, para se lembrar o que é importante na vida: o amor ao próximo, o trabalho esforçado, o perdão e a esperança, para que você se torne um ser humano elevado.

Mas o que está por trás desse discurso? Qual são seus objetivos? O que há de concreto nessa proposta, que faz tantas pessoas acreditarem que a solução de tudo está ai?

Em seu texto intitulado “Motivação Profissional x Desmonte da Educação”, Alexandre Reinaldo aborda o discurso motivacional para falar da escola e da educação. No texto, ele diz que a escola está sendo tratada como uma empresa, que precisa gerar lucros, que tem metas a serem cumpridas, que passa por avaliação de qualidade, e passou a ser uma máquina tal como acontecem nas fábricas e industrias. Dessa forma, ao professor é prometido bonificações caso seu trabalho tenha lucro, e há uma preocupação para que esse professor seja motivado (para produzir mais). “ É a implantação do taylorismo/toyotismo na escola pública. Este é um aspecto fundamental da ideologia empresarial da Secretaria de Educação, pois como convencer professores e funcionários a trabalharem em péssimas condições e ganhando baixos salários?”

“A linha da motivaçào é um dos caminhos para tentar domesticar o cérebro. É aquele papo: “Procure dentro de você as forças para vencer os problemas”. Entretanto, quem consegue vencer as dívidas com os baixos salários?”

O discurso motivacional faz tanto sucesso, porque o que ele faz é mascarar a realidade, fazendo com que a pessoa produza mais, compre mais e pense menos. É como uma droga, que te deixa embriagado de otimismo e bons pensamentos, enquanto os problemas continuam no mesmo lugar que estavam antes, sem solução. Tudo o que você precisa pensar que é haverá um lugar bom para os que são elevados e esperançosos, e assim os problemas se resolverão sozinhos. E como eles não se resolvem, o efeito da droga passa, e ai você tem que se reciclar, ou seja, fazer novamente uso das drogas (em forma de cursos, eventos, palestras, livros e vídeos) para continuar vivendo.

Estamos mergulhados nessa dinâmica social, em todos os lugares, não só na escola. O olhar está voltado para a produtividade, o desejo de resultados positivos, e tudo isso suga muito a energia das pessoas. Por isso, motivar se tornou um sinônimo de droga psicológica, no qual as pessoas buscam se sentir entusiasmadas por algo, buscam se sentir soldados em uma guerra, guerra em que elas são resistentes, mas uma resistência que está embasada na crença de o que ela faz é importante para a máquina, para a sociedade como um todo.

Essas correntes passam e seguem em frente, e quem tenta pensar e refletir criticamente sobre o tema é visto, em geral, como pessimista. Mas, não bastam discursos demagógicos, pois só isso não resolve problemas. Eles continuam lá, todos os dias. Se o profissional não se sente motivado, ele deveria se questionar o por que disso, e não achar que é culpado sozinho por tal desmotivação, mascarando o problema com injeções de motivação. Se estou desmotivado, devo refletir sobre minha prática, tentar encontrar quais problemas estou enfrentando, e como posso de fato mudar alguma coisa. E fazer isso não necessariamente trará a tão sonhada felicidade seu lugar ao sol. Tentar encontrar em qual ponto também somos responsáveis não é o que as pessoas querem fazer quando as coisas já não estão boas.

Aliás, o discurso motivacional em muito se assemelha a uma religião, pois pede que você continue trabalhando e se esforçando o quanto puder, que um dia seu lugar estará garantido no céu. Não vou entrar agora na discussão da alienação que esse discurso oferece, assim como o religioso, mas podemos pensar sobre isso em outro texto.

Educar as vezes pode ser insuportável. Afinal, o que é educar nos dias de hoje? Será que todos os problemas que temos quando tentamos educar não estão centrados exatamente no que é  educação hoje?

Se não sabemos o que é Educar hoje, podemos começar pelo que não é, para tentar encontrar um caminho. Educar não é mais passar conteúdo. Não é mais impor medo, e assim conseguir um falso respeito. Não é fazer o aluno ficar 10, 12 anos sentado numa cadeira sem participar, só como ouvinte. Ainda temos muito que discutir sobre o que é Educar,  proponho discutir isso em outro texto, porque o que quero enfatizar aqui é que, enquanto estamos embriagados pelo discurso motivacional, não paramos para encarar os problemas. Não paramos para perceber que não existe solução mágica e fácil.

Enquanto você assiste vídeos como esse: …

… você não percebe que é encoleirado, que não desenvolve consciência crítica e independência. Pensar hoje pode ser muito periogo para as empresas e para o Estado. Mas, pode ser muito mais perigoso pra você mesmo. Ou não.

Enquanto você assiste vídeos como esse e chora …

… acha que está errado em sofrer e querer brigar pelo seu salário, seus altos impostos, e todas as coisas erradas que existem a sua volta. Afinal, já que tem gente pior do que você, parece até errado querer mudar alguma coisa tão pequena por aqui enquanto por lá as pessoas tem problemas tão maiores. Não é isso que querem te fazer pensar? Ou melhor, não é isso que você quer usar como desculpa para não ter que fazer nada?

A educação, quando toma o caminho do discurso motivacional, afunda um pouco mais, a cada dia. Se você é educador, tente fazer essa reflexão. O que o discurso motivacional tem te impedido de pensar? O que te faz ter medo de voltar o olhar pra você? ‘>O que é educar pra você? Será que o problema da educação é culpa só do Estado e da família, ou é conseqüência de outra coisa?

Update: Nem tudo que reluz é ouro na estante de Psicologia, um ótimo post sobre a Autoajuda, que caminha de mãos dadas com o discurso motivacional).

4 Comments

  1. Aline Accioly

    Leia isso também: http://www.utops.com.br/das-pseudoliteraturas/

  2. Marcelo Loures Ribeiro

    Cara Aline;

    Concordo plenamente com a parte sobre esta onda motivacional que, agora, infesta a educação. Mas, eu, como funcionário de grandes empresas privadas observo isto há mais de 10 ou 15 anos.
    Sempre a mesma conversa fiada, não caio mais nestes discursos motivacionais ou “lavagens cerebrais”.São utilizados em empresas (“vamos nos levantar desta reunião e como leões furiosos, bater a meta de vendas do mês”, disse um palestrante).Além do uso frequente, em igrejas, agora , quem diria, até em escolas.
    A experiência que tive com isto, posso afirmar, que os resultados são momentaneos e que logo, logo, será necessário mais motivação. Pois as pessoas utilizam a pouca energia o pouco recurso que têm e em seguida não conseguem com a mesma intensidade realizar as superações propostas nestas palestras motivacionais.

    Grande abraço;
    Marcelo

  3. Gilson

    Pois bem.
    Se observarmos os discursos só por este lado negativo, não vamos a lugar algum, acho que se analisarmos positivamente e empregar na solução dos nossos problemas, tais como, baixos sálarios, falta de oportunidades, baixo estima, e outros mais como descaso dos nossos politicos na area de educação, segurança publica, saneamento e por ai vai. Se empregarmos a motivação dos discursos na solução destes problemas podemos nós mesmos bater na mesa e usar o ditado citado por nosso amigo Marcelo,(“vamos nos levantar desta reunião e como leões furiosos, bater a meta”)imposta por corruptos que governam o nosso pais, se usarmos esta motivação para nos prepararmos para os problemas que enfrentamos ao invés de ficarmos simplesmente escrevendo em vários recursos que a internet nos proporciona, ai sim acho que vamos contribuir para melhorar alguma coisa em nossas vidas, o que não podemos é ficar pondo a culpa em empresários, eles estão certos pois quando montam empresas é para gerar lucro do cantrárioabririam instituições de caridade, errados somos nós que só enchergamos a motivação de maneira negativa só como beneficio a empresas, tambem trabalhei em várias empresas grandes e soube aproveitar as oportunidades oferecidas, como, estudo oferecido totalmente pago, viagem de qualificação profisional para o exterior, e estes aprendizados não fica nas empresas, quando saimos levamos conosco, e tambem podemos aplicar na nossa vida pessoal.
    Acho que devemos olhar as coisas com uma visão mais positiva, assim sendo os nossos pensamentos se tornarão mais claros e as soluçãoes para os nossos problemas serão encontradas com mais facilidade.

    Abraço.
    Gilson.

  4. Roberto Vasconcelos

    Caro Gilson,

    A questão dessa onda motivacional, é que ela não passa de um engodo, assim como a auto-ajuda e todas as religiões dogmaticas. É muito cômodo vermos as coisas de uma forma mais “positiva”, quando, devido às enormes diferenças entre cada um, o problema de um não é tão ruim quanto o do outro. Contudo, eu proponho uma alternativa mais prática: analisar friamente os fatos, em vez de se ater a esse romantismo que não apresenta soluções pra nada. E o texto ilustra realmente os problemas, ainda que, de fato, não sugira nenhuma solução.
    Quanto à questão das empresas estarem “certas”: suponho que você é empresário que troca de carro todo ano, não é? Pois só assim pra afirmar tamanha, na falta de um termo melhor, sandice. O sistema capitalista baseia-se no lucro, contudo, de uns tempos para cá cunhou-se também o sufixo “selvagem” ao termo. Se o capitalismo não fosse tão selvagem como o é hoje, haveriam salários mais justos e melhores condições de trabalho, oferecendo condições mais dignas aos funcionários, em vez de os executivos da empresa terem contas na Suíça e mansões, enquanto os trabalhadores andam de transporte público e comem mal.
    Bem, é isso. Encerro antes que me alongue demais e talvez chegue a ficar incoerente.
    Abraços.

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