Reportagem de Luciano Máximo – VALOR

Educação: Infraestrutura para uso de informática na sala de aula ainda avança mais rapidamente que conteúdo

Há algo diferente na escola municipal de ensino fundamental Ernani Silva Bruno, localizada na Parada de Taipas, periferia no extremo oeste da capital paulista. Em meio ao corre-corre de crianças na hora do recreio nota-se vários alunos seriamente concentrados na tela de seus pequenos computadores portáteis coloridos, que mais parecem brinquedos à primeira vista. Conectado no Google, Igor do Nascimento, da 7ª série, aproveita o intervalo para adiantar um trabalho sobre doenças sexualmente transmissíveis. Já Daniel Duarte, da 5ª, não desgruda os olhos de um videogame sanguinário. Outros teclam compulsivamente em alguma sala de bate-papo online.

A cena se repete em classe, com variações no conteúdo. O uso do computador é realidade no processo de ensino dos 600 alunos do 1º ao 9º ano da escola, que desde 2007 abriga a fase pré-piloto do programa federal Um Computador por Aluno (UCA), assim como em outras quatro escolas públicas de Brasília, Palmas, Piraí (RJ) e Porto Alegre. Com o laptop XO, que pesa 1,5 kg e tem 25 cm de largura e de comprimento e acesso à internet sem fio, os alunos publicam suas redações no blog da escola e contam com a internet e softwares pedagógicos para aprender inglês, ciências, geografia e matemática.

Para os estudantes, a ideia é “muito legal”. “A gente fica com vontade de fazer as coisas dentro da escola, de escrever, de pesquisar”, conta Jeferson Rodrigues Gomes, de 11 anos. O aluno da 5ª série foi eleito monitor e assumiu a responsabilidade de estar na escola fora do horário para ajudar os professores na preparação das aulas e os colegas no manuseio do XO, que foi desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). “Melhor do que ficar vendo televisão em casa”, diz o garoto.

A escola tem oito monitores que se revezam nas 18 salas de aula. “A participação, estimulando a responsabilidade e o espírito cooperativo, faz parte do projeto pedagógico criado para o trabalho com os laptops. Os alunos ficam menos dependentes e, muitas vezes, são eles que ensinam o professor”, relata Edna Oliveira Telles, coordenadora pedagógica da unidade.

Para educadores e especialistas, o computador na sala de aula não é encarado como panaceia, mas um elemento a mais que pode ajudar a melhorar a educação. “É preciso saber usar com planejamento”, afirma a professora da 1ª série Marília de Castro Carneiro. No primeiro ano do UCA, a 9º série da escola tirou 3,4 no Ideb – avaliação do Ministério da Educação (MEC) que considera fluxo escolar e desempenho em português e matemática. A nota do ano passado subiu para 4,5, acima da média da rede pública municipal, de 4,2. Os diagnósticos internos também indicaram avanços no período: menor índice de faltas e melhor rendimento em temas como oralidade, raciocínio matemático e interpretação e produção de textos. As outras escolas do UCA também melhoraram as notas do Ideb – apenas uma manteve a pontuação

Apesar das boas notícias, a coordenadora pedagógica do Ernani Silva Bruno é cuidadosa ao atribuir os avanços somente à utilização do laptop. “Claro que o aluno fica mais cuidadoso ao escrever, sabendo que sua redação vai para um blog que todo mundo vai ler. Mas também temos que considerar as aulas de reforço, o desempenho dos professores e as atividades do conselho escolar”, pondera Edna.

As avaliações educacionais atuais ainda não capturam o impacto do uso da tecnologia em termos qualitativos. “É difícil isolar o componente da tecnologia para medir qualidade, é muito recente, não há base de comparação. Estamos interessados em entender isso, contratamos a Unesco e começamos a elaborar estudos próprios”, informa Carlos Eduardo Bielschowsky, secretário de educação a distância do MEC, área do governo federal responsável pelo UCA e outras políticas de tecnologia educacional.

Depois de dois anos de atraso por causa de problemas na licitação, vencida pela CCE, o MEC quer concluir até o fim de 2010 o projeto piloto do UCA, que prevê a distribuição de 150 mil laptops para 300 escolas de ensino fundamental e médio do país. O custo por máquina é de R$ 550, num total de R$ 82,5 milhões, além de outros investimentos. “Não é uma ação trivial. O MEC precisa prover equipamentos, rede wireless, servidor, material pedagógico e capacitação do professor”, acrescenta Bielschowsky. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) disponibiliza linha de crédito de R$ 660 milhões para prefeituras e governos estaduais participarem da expansão do projeto.

Mesmo com constatações positivas, o Brasil está longe de concretizar o plano de ter um computador por aluno na rede pública – para isso, seriam necessários mais de R$ 25 bilhões apenas para a compra dos laptops. Em todo o mundo, isso é realidade apenas nas séries primárias do Uruguai. Suécia, Finlândia, Coreia do Sul e Inglaterra estão bastante adiantados. A estratégia das políticas públicas brasileiras foca o trinômio infraestrutura (universalização do acesso à internet nas escolas e superação do sucateamento dos laboratórios de informática), capacitação maciça de professores e conteúdo (sistematização do material didático associado a vários tipos de tecnologias).

As três esferas de governo ampliaram os investimentos para o cumprimento dessas prioridades nos últimos anos. No âmbito federal, os recursos somam cerca de R$ 1 bilhão desde 2006. O MEC garante, por exemplo, que todas as escolas urbanas da rede pública municipal e estadual terão cobertura de internet de banda larga até dezembro, ação que beneficiará mais de 35 milhões de estudantes. A meta faz parte do contrato de concessão dos serviços de telefonia fixa, negociado entre governo federal e operadoras do setor em 2008. Cerca de 47 mil unidades escolares, ou 72%, haviam sido conectadas até junho. O ministério também destaca a instalação de mais de 20 mil laboratórios de informática e o registro de 330 mil professores em vários tipos de cursos sobre educação digital, em 2009.

No dia a dia de alunos e profissionais da educação, porém, a percepção é de que o trinômio infraestrutura, capacitação e conteúdo não avança no mesmo passo.

Kátia Duque Estrada, professora de matemática da 5ª série da Escola Estadual Sérgio da Costa, na Zona Norte de São Paulo, lamenta a falta de apoio para usar a informática em suas aulas. “Quando dá para descer para o laboratório, ensino as crianças a fazer fórmulas e gráficos, mas é só o que sei sobre Excel. Gostaria de fazer mais cursos”, conta ela. “Tiramos leite de pedra aqui”, acrescenta a diretora Renata Andréa Diório, se referindo à situação da sala de informática, insuficiente para atender aos 1.400 alunos do colégio. Dos 27 computadores, 14 estão em manutenção. “Chegaram ao ponto de roubar peças de algumas máquinas, tivemos que registrar ocorrência na delegacia.”

A professora de português Sandra Martins Modesto, que coordena uma série de atividades extracurriculares, também reclama da falta de recursos e diz que as tecnologias não são bem aproveitadas no colégio. “Começamos um jornal que envolveu 300 alunos e ajudou muito no ensino. Na fase final de produção, às vezes ficava em casa conectada com muitos deles. Muita coisa não dava para ser feita no laboratório”, reconhece. “A gente percebe que a atualização tecnológica da escola é mais lenta que o normal”, constata o redator-chefe da publicação escolar “Construindo o Futuro”, o aluno Matheus Mendes. Viciado em pesquisa na internet, o colega Luan Cardoso complementa: “Com a internet, o aluno não se limita, pode ir além do que o professor ensina.”

A Secretaria Estadual da Educação de São Paulo afirma que a instalação de banda larga nas escolas começou em 1998 e os laboratórios de informática da rede receberam 52,4 mil computadores com o programa Acessa Escola – os investimentos em equipamentos passaram de R$ 44 milhões em 2009 para R$ 76 milhões este ano. As salas de informática ganharam aspecto de lan house, com acesso diário dos alunos e da comunidade, nos fins de semana. Os responsáveis pelos espaços são os próprios estudantes do ensino médio, que são contratados pelo governo. No total, 10,1 mil estagiários, com bolsa-auxílio de R$ 340 para uma carga horária diária de quatro horas de trabalho, atuam em 2.081 escolas. Até o fim do ano, outras 1.449 unidades terão novos laboratórios.

Segundo a coordenadora de tecnologia da educação do Acre, Rosa Braga, o uso do computador e da internet para o ensino ainda engatinha no Estado. Laboratórios de informática desatualizados e falta de preparo do quadro docente são os principais problemas. “Como o professor não era incluído digitalmente, primeiro ele tem que se apropriar das tecnologias, e isso está sendo ampliado, com 3 mil professores em capacitação, mas leva tempo. Temos que ter paciência pedagógica”, explica Rosa.

Em Goiás, dos 37 mil professores da rede estadual, mais de 20 mil participaram de cursos a distância sobre a integração de tecnologias ao contexto educacional, mas eles estão diante de uma estrutura bastante limitada: são 1.200 escolas e 841 laboratórios de informática. “Como a tecnologia vai melhorar a educação se vivemos uma realidade de escolas com 2 mil alunos para 40 computadores? Nesse contexto o computador não é decisivo”, argumenta a educadora Milca Severino, secretária estadual da Educação de Goiás.

No Paraná, Estado com o maior Ideb do ensino médio do país, os projetos de tecnologia da informação começaram em 2004, com ações de inclusão digital envolvendo alunos e professores e a modernização dos laboratórios de informática, ações que demandaram investimentos de R$ 130 milhões. Em 2007, antes do programa de banda larga do MEC, as 2.100 escolas estaduais, nas zonas urbanas e rurais, estavam conectadas à internet.

A diretora estadual de tecnologia educacional do Paraná, Elizabete dos Santos, conta que todas as atividades pedagógicas lançam mão de algum recurso tecnológico. “À medida que o professor se aproxima das tecnologias, nossa proposta é aproveitar ao máximo o potencial que elas têm no ensino. O primeiro passo é conhecer e depois ampliar, sempre com avaliação crítica”, comenta. As ferramentas mais usadas são o portal “Dia a Dia da Educação”, site onde professores compartilham suas aulas com outros colegas e os alunos contam com várias opções de conteúdo, e a “famosa” televisão laranja, equipamento multimídia instalado em cada uma das 22 mil salas de aula paranaenses.

A estratégia da prefeitura do Rio de Janeiro é transformar cada sala de aula num laboratório de informática improvisado. A prefeitura planeja gastar entre R$ 30 milhões e R$ 35 milhões em projetores, caixas de som e laptops, além de conexão de internet sem fio, reformas e medidas de segurança. Os equipamentos serão instalados inicialmente em 5 mil classes e os alunos se dividirão em trios para usar os computadores para acompanhar as aulas preparadas no portal Educopédia e atividades online – as máquinas não serão dadas aos estudantes. “Ainda seguimos um modelo de laboratórios de informática, que é falido. A tendência mundial é diminuir o gap da construção de conhecimento entre aluno e professor e isso não acontece sem a tecnologia”, analisa Rafael Parente, da área de projetos estratégicos da Secretaria Municipal da Educação do Rio.