Aline Accioly Sieiro - Psicanalista

Pais e Filhos

Eu estava vendo um filme, e inspirada por ele, e por uma discussão no twitter, decidi fazer este texto. Provavelmente será um texto incompleto, porque já assumi a postura de incompletude, no sentido lacaniano de que sempre falta algo a se dizer, a se estudar, a se discutir.

O filme se chama “Mommas Man” http://www.imdb.com/title/tt1122599/ , muito bem resenhado aqui http://cinerama.blogs.sapo.pt/200806.html . Conta a história de um homem casado, pai de família, que vai visitar os pais, e não volta mais para casa.

A discussão ocorreu esta noite no twitter, iniciada por esse tema do @DoisEspressos http://doisespressos.wordpress.com/2009/07/16/qualquer-pai-sabe-o-que-e-melhor-pros-filhos/.

Outro filme que marca esta discussão é o I am Sam, http://www.imdb.com/title/tt0277027/ , a história de um Deficiente Mental que têm uma filha, e ao fazer sete anos o Conselho Tutelar decide retirá-la do lar por considerar o pai incapaz de cuidar dela.

O que é ser pai? Ser responsável por uma criança, ter responsabilidades diversas, entre elas a de assegurar o bem estar dessa criança no mundo. Dar educação, protegê-la de perigos, amá-la e respeitá-la incondicionalmente.

Como já falaram muitos psicólogos, os pais (ou criadores da criança) exercem grande influência sobre ela. Que influência? Não sabemos ao certo. Há crianças que se tornam quase cópias de seus pais, outras que se tornam seus opostos extremos. Então, como saber que influência daremos, e o que é certo ensinar aos nossos filhos? No geral, fazemos aquilo que achamos correto. Ensinamos valores, regras e leis que correspondem a aquilo que particularmente acreditamos. Ensinamos também as leis do local onde vivemos para que isso facilite a vida em sociedade da criança. Mas o fato é que, dentro de nossas casas, podemos ensinar e influenciar nossos filhos da forma como acharmos melhor.

Ai temos dois problemas: 1. Quando não concordamos com as regras morais da sociedade que vivemos, e desejamos fazer algo diferente. Por exemplo, se não queremos vacinar nossos filhos, ou mesmo educá-los em casa, podemos até ser presos, acusado de mil crimes contra a criança. Isso é correto? Eu particularmente não acho. Ou também, no caso do filme, quando querem tirar uma criança de uma família (que, de acordo com a lei, não consegue cuidar da criança) e a colocam num orfanato em que ela vai ser menos cuidada ainda. 2. Quando os pais usam de seu poder nos filhos para ensinar valores obviamente tortos, como os nazistas, os preconceituosos, os ladrões. Outro dia apareceu na internet um vídeo de um pai ensinando seu filho de menos de três anos a roubar. E ai a sociedade se vê no direito de interferir e tirar essa criança dessa família.

Mas a questão está no fato de que nem sempre as coisas são tão claras assim. Em casos extremos, como esses citados acima, fica claro e fácil distinguir quando a sociedade deve tomar partido da criança e agir. Mas e quando não é possível saber essa diferença assim tão claramente? E quando o que achamos ser melhor para a criança pode não ser? Já ouvimos muitos casos em que a intervenção da sociedade só piorou a história da criança. Então, como agir nesses casos?

Escuto histórias envolvendo o Conselho tutelar quase todo mês. Em uma delas, na TV, duas crianças morreram, depois de procurar o Conselho mais de três vezes, para dizer que seus pais os espancavam. O conselho não deu atenção, e as crianças finalmente morreram espancadas pelos pais. Em outros casos o conselho tira a criança dos pais, pois esta não está indo a escola, já que tem que ajudar a mãe  solteira a criar os irmãos. Há ainda o caso do juiz que deu a guarda de uma criança para as tias, e não para o pai (depois que a mãe faleceu), e essa tia espancava a criança todos os dias. Então, entramos numa questão mais profunda, que é como dar e para quem dar o poder de decidir quando e como interferir na relação pais-filho. E para fazer parte do Conselho tutelar o processo chega a dar vergonha pra quem estudar a vida toda psicologia, pedagogia, ou qualquer ciência social e humana. A mesma coisa para os Juizes, muitas vezes despreparados para lidar com seres humanos, aplicam regras e leis sem analisar cada caso, e tudo isso que o tempo todo se vê nos noticiários.

Devemos proteger as crianças, mas já dizia Winiccot que proteger demais também faz mal. Há males que vem pro bem sim, pois a criança cria calos, aprende a se proteger, aprende o que é melhor pra ela, aprende a ser independente. Ninguém melhor para proteger uma criança do que ela mesma, e pra isso ela precisa ir aprendendo aos poucos. Quantos adultos sofrem por não ter tido um contato “real” com a vida, pois os pais sempre se antecipavam, protegiam, escondiam a realidade, e depois esses adultos sofrem para viver suas vidas e a dura realidade que é estar vivo. Se partirmos do principio que todo pai traumatiza seus filhos, o que é necessário e natural, quando esse “trauma” passa dos limites e devemos atuar para o bem da criança? A linha que divide essas realidades é tênue, e pode variar de acordo com quem analisar a situação. Então como delegar essa posição a terceiros? Como colocar a vida de uma família nas mãos de outra pessoa, que em muitos casos não é formada e preparada para isso?

Tendemos a analisar as situações de acordo com a nossa realidade, e isso pode muitas vezes ser injusto para a realidade dos outros, nem boa nem ruim, somente diferente. É necessário ter limites, regras, leis? Com certeza. A questão é quem vai estabelecer, como vai estabelecer, porque o mundo é muito grande, e as regras tendem a nos diminuir e enquadrar numa mesmice que não é a realidade geral do mundo das pessoas.

O que é correto ou não ensinar aos filhos? De acordo com cada região, cada cultura, cada sociedade, ou mesmo religião, a resposta a essa pergunta varia. Um tema pode ser considerado muito ofensivo para alguns, mas essencial para outros. E há os temais morais, que no geral são considerados banidos mundialmente. Mas a verdade é que existe o livre arbítrio. Uma pessoa pode pensar e falar o que quiser, mesmo que isso ofenda a outros. Dessa forma pode criar seus filhos como bem quiser, contato que siga algumas regras básicas impostas pela sociedade onde está inserido. Por exemplo, no Brasil, que vá a escola, que seja levado ao médico, que tome vacinas.

Quantos adultos culpam seus pais por suas características pessoais, ou mesmo escolhas infelizes que fizeram em suas vidas? Os pais têm culpa de tudo? Os pais são totalmente responsáveis por aquilo que o filho se torna quando cresce? Não, porque em certa altura da vida a pessoa pode fazer escolhas. Ela pode escolher aceitar, ou pode escolher ser diferente. Mesmo um pedófilo, criado por um pai pedófilo, que só sabe amar desse jeito torto, mesmo ele pode escolher tentar se controlar, tentar lutar contra seus instintos mais íntimos. Mas para que ele faça isso, é preciso que ele minimamente saiba que tenha essa opção. Se o adulto não sabe que tem a opção de escolher, ele acabará preso nos desejos de seus pais, e naquilo que ele acha que tem que ser.

Quando se fala em políticas sociais, acho mesmo que temos que criar regras, estabelecer leis, normas, tabus, etc. Mas falando no singular, no um a um defendido pela psicanálise lacaniana, sabemos que é utopia pensar no geral, na massa como todos iguais. E mais ainda, pensando no singular, podemos pegar aquele ser humano mais monstruoso e tentar entender sua história, seus motivos, suas batalhas. Com certeza ele será mais humanizado, mas será que conseguiria ser outra coisa? E o que a sociedade faz com eles? Lava as mãos! É fácil crucificar, difícil é nos perguntarmos que responsabilidade temos, como sociedade, na criação desses monstros. Por isso termino minha reflexão mostrando a importância de sempre voltarmos a nós mesmos a pergunta: No que EU sou responsável pelo que está acontecendo na minha volta? No que eu, quando crio meus filhos, reforço o preconceito? Será que minha postura em relação às leis regras é a mais correta, será que não sou muito irredutível com aquilo que acredito? Se todo mundo se voltasse para si, com certeza viveríamos melhor. Mas é muito mais fácil julgar, apontar dedos, crucificar monstros, sair por ai dizendo o que é certo e o que é errado. Difícil é tentar se colocar no lugar do outro, fazer as pessoas pensarem, e mudar a forma de agir dentro de sua própria casa.

1 Comment

  1. gertrude águeda bernardo

    Gosto muito de piscologia e quero seguir este curso preciso de uma orientação para me aprofundar mais na matéria
    muito obrigada

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