A doutora Lorca é a intérprete de nosso tempo. Ontem, o metrô de Londres proibiu um cartaz que reproduz a pintura “Vênus” do alemão Lucas Cranach, feita há quinhentos anos atrás. O cartaz anuncia a exposição em homenagem a Cranach que será realizada pela Royal Academy de 8 de março a 8 de junho deste ano.

Então que fique estabelecido: anúncios de bebida, pode. Mulher pelada, não pode. Anúncios de cigarro, pode. Vagina à mostra, não pode. Anúncios de celular, pode. Seios à vista, não pode. Anúncios de modelos anoréxicas, pode. Coxas desnudas, não pode. Anúncios de remédios, pode. Mulher sensual, não pode. Anúncios de recrutamento militar, pode. Sexo, não pode. Mulher com véu, pode. Mulher tirando o véu, não pode. Deus o livre uma mulher sem véu!

E pensar que há mais de cem anos anunciam o fim da psicanálise, tendo em vista que “não existe mais repressão sexual”. Então, mais um adendo. Terapias cognitivo-comportamentais, pode, terapias neuro-linguísticas, pode, terapias do abraço, pode, terapias do grito, pode, terapias breves, pode. Psicanálise, não pode. A psicanálise é subversiva demais para nosso tempo. Vagina? Sexo? Diferença sexual? Feminilidade? Masculinidade? Falo? Castração? Não pode. Como afirma o comunicado do metrô de Londres, “milhões de pessoas viajam diariamente pelo metrô e não tem alternativa a não ser ver a publicidade ali colocada. Devemos ter cuidado com todos os viajantes e procurar não ofender ninguém.” (fonte: Patrícia Tubella in El País, 14/2/2008).

“Não ofender ninguém”, eis aí a norma de nossa época. Cuidado com o sexo feminino. Ele pode ofender. Agora, o assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes pela “melhor” polícia do mundo, em pleno metrô, isso não ofende ninguém. Ele era um estrangeiro. Aliás, Carnach também. Ainda por cima, alemão. Hum, alemão em Londres? Há mais coisas entre o céu e a terra…já dizia aquele poeta bem inglês. Inglês? Sem vagina à mostra? Então pode.

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